O poeta descreve um
mundo onde os homens leem jornais e comem laranjas sem expressarem quaisquer
emoções – presos, por conseguinte, às suas atividades quotidianas –, o que
denuncia a apatia e a rotina que os dominam, faltos, como se vê, daquele sentido
de urgência angustiosa, a despeito das circunstâncias extremas, tão lindeiras a
um completo desmoronamento.
O “fim do mundo” mais
parece essa imersão no mar de indiferenças, tão iminentemente catastrófico que
ninguém se disporá a redigir o “poema final”. Entrementes, o poeta se preocupa mesmo
é com o “sonho final”, talvez um laivo de esperança ou um último desejo, antes que
tudo se acabe pelo efeito multiplicador da morte que se banaliza.
J.A.R. – H.C.
João Cabral de Melo
Neto
(1920-1999)
O fim do mundo
No fim de um mundo
melancólico
os homens leem
jornais.
Homens indiferentes a
comer laranjas
que ardem como o sol.
Me deram uma maçã
para lembrar
a morte. Sei que
cidades telegrafam
pedindo querosene. O
véu que olhei voar
caiu no deserto.
O poema final ninguém
escreverá
desse mundo
particular de doze horas.
Em vez de juízo final
a mim preocupa
o sonho final.
Em: “O Engenheiro”
(1945)
Homem lendo jornal
(Cliff Wilson:
artista norte-americano)
Referência:
MELO NETO, João
Cabral de. O fim do mundo. In: __________. Poesias completas: 1940-1965.
2. ed. Rio de Janeiro, GB: José Olympio, 1975. p. 346.
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário