O “peregrino” de
Parra é uma figura desorientada e solitária a clamar por atenção em meio ao
bulício da vida quotidiana, representando o indivíduo deslocado para um dos
lados preteridos pela “República”, entenda-se melhor, aquele situado à margem
da sociedade e de suas normas: Parra nos descreve, em síntese, uma alma presa em
um abismo, tanto sexual quanto intelectual, naufragada no silêncio e desejosa
de ser ouvida.
Esse afã por
compreensão e clareza – por uma luz que lhe incuta uma sensação de movimento e
de mudança – retrata, em última instância, o estado de vulnerabilidade e de desamparo
do falante, carente de proteção, de amor e de um sentido de pertencimento ao
corpo social a que filiado, mas do qual ressente-se em razão de sua indiferença
e distanciamento.
Poder-se-ia apreender
o poema, com maior ou menor esforço, como uma metáfora para todas as pessoas
que vivem à margem da sociedade, sem acesso aos recursos básicos para poderem
sobreviver e sem um sistema de apoio que as ampare, haja vista que sumariamente
ignoradas pelas estruturas sociais e governamentais, circunstâncias essas que
as deixam perdidas na “invisibilidade”, em luta inglória contra a pobreza, a
exclusão e a completa falta de oportunidades – muito distantes, por conseguinte,
de um reconhecimento mínimo daquilo que se costuma chamar por dignidade da
pessoa humana.
J.A.R. – H.C.
Nicanor Parra
(1914-2018)
El peregrino
Atención, señoras y
señores, un momento de atención:
volved un instante la
cabeza hacia este lado de la república,
olvidad por una noche
vuestros asuntos personales,
el placer y el dolor
pueden aguardar a la puerta:
una voz se oye desde
este lado de la república.
¡Atención, señoras y
señores! ¡un momento de atención!
Un alma que ha estado
embotellada durante años
en una especie de
abismo sexual e intelectual
alimentándose
escasamente por la nariz
desea hacerse
escuchar por ustedes.
Deseo que se me
informe sobre algunas materias,
necesito un poco de
luz, el jardín se cubre de moscas,
me encuentro en un
desastroso estado mental,
razono a mi manera;
mientras digo estas
cosas veo una bicicleta apoyada en un muro,
veo un puente
y un automóvil que
desaparece entre los edificios.
Ustedes se peinan, es
cierto, ustedes andan a pie por los jardines,
debajo de la piel
ustedes tienen otra piel,
ustedes poseen un
séptimo sentido
que les permite
entrar y salir automáticamente.
Pero yo soy un niño
que llama a su madre detrás de las rocas,
soy un peregrino que
hace saltar las piedras a la altura de su nariz,
un árbol que pide a
gritos se le cubra de hojas.
En: “Poemas y
antipoemas” (1954)
O menino peregrino
(Alexis Grimou:
pintor francês)
O peregrino
Atenção, senhoras e
senhores, um minuto de atenção:
Virem um instante a cabeça
para este lado da república,
Esqueçam por uma
noite seus assuntos pessoais,
O prazer e a dor
podem esperar do lado de fora:
Escuta-se uma voz
deste lado da república.
Atenção, senhoras e
senhores! um minuto de atenção!
Uma alma que esteve engarrafada
durante anos
Numa espécie de
abismo sexual e intelectual
Nutrindo-se
escassamente pelo nariz
Deseja se fazer
escutar por vocês.
Desejo que me
informem sobre alguns assuntos,
Necessito de um pouco
de luz, o jardim se cobre de moscas,
Me encontro num
desastroso estado mental,
Pondero à minha
maneira;
Enquanto digo essas
coisas vejo uma bicicleta apoiada num muro,
Vejo uma ponte
E um carro que
desaparece entre os edifícios.
Vocês se penteiam,
claro, vocês andam a pé pelos jardins,
Por baixo da pele
vocês têm outra pele,
Vocês possuem um
sétimo sentido
Que lhes permite
entrar e sair automaticamente.
Mas eu sou um menino
que chama sua mãe por trás das rochas,
Sou um peregrino que
faz as pedras pularem à altura de seu nariz,
Uma árvore que pede
aos gritos que a cubram de folhas.
Em: “Poemas e
antipoemas” (1954)
Referência:
PARRA, Nicanor. El
peregrino / O peregrino. Tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. In:
__________. Só para maiores de cem anos: antologia (anti)poética.
Seleção e tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. Edição bilíngue. 1. ed. São
Paulo, SP: Editora 34, 2018. Em espanhol: p. 190; Em português: p. 38-39.
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