O poeta espanhol nos
apresenta uma abordagem complexa e, ao mesmo tempo, antinômica da beleza
humana, concebendo-a não como um atributo estático ou permanente, senão como um
fenômeno efêmero e paradoxalmente eterno, a ostentar um caráter tumultuoso, mutante
e descomedido, de um lado, em conjunção a uma outra face em que se predicam os
distintivos de calma e de quietude.
Notoriamente, o propósito
de Bousoño é cotejar a beleza interior com a beleza física, esta caracterizada
por sua flagrante transitoriedade, aquela por uma etérea serenidade de espírito,
sobretudo dos que primam pelo respeito reverencial e silencioso dirigido às
coisas belas de que se compõe este mundo de mistérios e de interrogantes.
J.A.R. – H.C.
Carlos Bousoño
(1923-2015)
La belleza humana
La belleza humana es el sitio por
donde se disimula y disfraza
aunque con alguna sorprendente
torpeza,
un fulminante imperio
de eternidad, muy parecido al
rayo, que, como tal,
no puede ser sino de duración
escasísima,
ya que se descarga en su enorme
poder y del todo
a cada fulguración, que, sin
embargo, se repite infinitamente.
Mas la belleza sobre la que argumentamos
no deja,
pese a todo, de asemejarse, en su
carácter sombrío,
a un cielo lóbregamente
tormentoso
que, en medio de la inminente
tempestad,
se halla milagrosamente detenido
en el morado atardecer, parado en
un éxtasis de verano,
cuando todos los pájaros han
dejado de pronto de cantar
y no se escucha el viento. Y
resulta que sin perder ni un punto
de esa perfecta calma donde nada
se oye y donde no
se mueve una hoja en el ligero
chopo impaciente,
todo se convierte,
paradójicamente, en presa del vendaval,
y entonces
la catedralicia oquedad
inhabitable de un trueno de grave
supremacía
nos acomete impacientemente con
su gótica audácia
de infinitud
desde el inmóvil y silencioso
cuerpo humano bellísimo,
y hay de repente un rayo, como
dije, instalado en el viento
y en la instantaneidad
sempiterna.
No pidamos, pues, a los seres
hermosos que de tarde en tarde
nos conceden el don altísimo de
una desdeñosa sonrisa,
a la que tienen un derecho sin
trabas como el de los antiguos
monarcas,
no les pidamos, insisto,
duración,
ya que sin vacilación la
detentan.
Hacen bien, no obstante, en
ostentar un hipócrita
envejecimiento al pasar de los
años,
pues nosotros sabemos muy bien
que eso es otra cosa
que sucede en otro lugar,
algo que nada tiene que ver
con aquella furia de estar en que
consistieron,
con aquella absoluta quietud por
donde cruzaba
incesantemente el huracán
arrasador
que no movía para nada las rosas
encendidas del reino,
tranquilas como el amanecer que
ellas eran, tal vez
en medio del ocaso,
huracán de benignidad que los
dejaba por un instante,
es decir, para siempre y en
consecuencia también ahora,
fuera de la sospechosa
temporalidad en que hoy,
engañosamente sin duda, los
vemos,
cuando, rotas las columnas del
templo y derrumbados
estruendosamente el artesonado y
buena parte
de la techumbre,
con el rostro destruido y el poso
del sufrimiento interminable
en la cansina mirada
pasan irreconocibles por la
extraviada calleja
para ir acaso a buscar
en el rápido amor mercenario de
un esquinazo de extrarradio
el pasajero alivio
al terrible dolor de estar vivos
aún.
En: “Metáfora del desafuero”
(1988)
Sem título
(Annarapu Narender:
artista indiano)
A beleza humana
A beleza humana é o
lugar onde se dissimula e disfarça,
ainda que com alguma
surpreendente imperfeição,
um fulminante império
de eternidade, muito
semelhante a um raio, que, como tal,
não pode ser senão de
curta duração,
já que se descarrega
em seu enorme poder e totalidade
a cada clarão, o qual,
no entanto, se repete infinitamente.
Mas a beleza sobre a
qual argumentamos não deixa,
apesar de tudo, de se
assemelhar, em seu caráter sombrio,
a um céu lobregamente
tormentoso
que, no meio da iminente
tempestade,
descobre-se
miraculosamente sobrestado
num purpúreo
crepúsculo, suspenso num êxtase de verão,
quando todos os
pássaros de repente param de cantar
e não se ouve o
vento. E acontece que, sem perder
um único ponto
dessa perfeita calma
onde nada se ouve e nenhuma
folha se move no álamo
leve e impaciente,
tudo se torna,
paradoxalmente, presa do vendaval, e então
a catedralícia vacância
inabitável de um trovão
de grave supremacia
assalta-nos
impacientemente com a sua audácia gótica
de infinitude
a partir do corpo
humano mais belo, imóvel e silencioso,
e de repente há um raio,
como disse, instalado no vento
e na sempiterna instantaneidade.
Não peçamos, pois,
aos belos seres que, de vez em quando,
nos concedem o dom altíssimo
de um desdenhoso sorriso,
ao qual têm um
direito irrestrito como o dos antigos monarcas,
não lhes peçamos,
insisto, duração,
já que a possuem sem
hesitação.
Fazem bem, no
entanto, em ostentar um hipócrita
envelhecimento com o
passar dos anos,
pois sabemos muito
bem que isso é outra coisa
que acontece noutro
lugar,
algo que nada tem a
ver
com aquela fúria de
ser com que se expressavam,
com aquela absoluta
quietude por onde atravessava
incessantemente o
furacão arrasador
que não movia em nada
as rosas ardentes do reino,
tranquilas como o
amanhecer que elas eram, talvez em pleno
pôr do sol,
furacão de
benignidade que os deixava por um instante,
ou seja, para sempre
e, consequentemente, também agora,
fora da suspeitosa
temporalidade em que hoje, enganosamente
sem dúvida, os vemos,
quando, destroçadas
as colunas do templo e derruídos
estrondosamente o
artesoado e boa parte do teto,
com o rosto destruído
e o travo de um sofrimento interminável
no afadigado olhar,
passam
irreconhecíveis pelo beco perdido
para talvez buscar,
no rápido amor
mercenário de uma esquina suburbana,
o alívio passageiro
para a terrível dor
de ainda estarem vivos.
Em: “Metáfora da
transgressão” (1988)
Referência:
BOUSOÑO, Carlos. La
belleza human. In: __________. Poesía – Antologia: 1945-1993. Edición de
Alejandro Duque Amusco. 2. ed. Madrid, ES: Espasa Calpe, 1995. p. 249-251.
(Colección ‘Austral’; v. 313)
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