Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 2 de novembro de 2025

Carlos Bousoño - A beleza humana

O poeta espanhol nos apresenta uma abordagem complexa e, ao mesmo tempo, antinômica da beleza humana, concebendo-a não como um atributo estático ou permanente, senão como um fenômeno efêmero e paradoxalmente eterno, a ostentar um caráter tumultuoso, mutante e descomedido, de um lado, em conjunção a uma outra face em que se predicam os distintivos de calma e de quietude.

 

Notoriamente, o propósito de Bousoño é cotejar a beleza interior com a beleza física, esta caracterizada por sua flagrante transitoriedade, aquela por uma etérea serenidade de espírito, sobretudo dos que primam pelo respeito reverencial e silencioso dirigido às coisas belas de que se compõe este mundo de mistérios e de interrogantes.

 

J.A.R. – H.C.

 

Carlos Bousoño

(1923-2015)

 

La belleza humana

 

La belleza humana es el sitio por donde se disimula y disfraza

aunque con alguna sorprendente torpeza,

un fulminante imperio

de eternidad, muy parecido al rayo, que, como tal,

no puede ser sino de duración escasísima,

ya que se descarga en su enorme poder y del todo

a cada fulguración, que, sin embargo, se repite infinitamente.

Mas la belleza sobre la que argumentamos no deja,

pese a todo, de asemejarse, en su carácter sombrío,

a un cielo lóbregamente tormentoso

que, en medio de la inminente tempestad,

se halla milagrosamente detenido

en el morado atardecer, parado en un éxtasis de verano,

cuando todos los pájaros han dejado de pronto de cantar

y no se escucha el viento. Y resulta que sin perder ni un punto

de esa perfecta calma donde nada se oye y donde no

se mueve una hoja en el ligero chopo impaciente,

todo se convierte, paradójicamente, en presa del vendaval,

y entonces

la catedralicia oquedad inhabitable de un trueno de grave

supremacía

nos acomete impacientemente con su gótica audácia

de infinitud

desde el inmóvil y silencioso cuerpo humano bellísimo,

y hay de repente un rayo, como dije, instalado en el viento

y en la instantaneidad sempiterna.

No pidamos, pues, a los seres hermosos que de tarde en tarde

nos conceden el don altísimo de una desdeñosa sonrisa,

a la que tienen un derecho sin trabas como el de los antiguos

monarcas,

no les pidamos, insisto, duración,

ya que sin vacilación la detentan.

Hacen bien, no obstante, en ostentar un hipócrita

envejecimiento al pasar de los años,

pues nosotros sabemos muy bien que eso es otra cosa

que sucede en otro lugar,

algo que nada tiene que ver

con aquella furia de estar en que consistieron,

con aquella absoluta quietud por donde cruzaba

incesantemente el huracán arrasador

que no movía para nada las rosas encendidas del reino,

tranquilas como el amanecer que ellas eran, tal vez

en medio del ocaso,

huracán de benignidad que los dejaba por un instante,

es decir, para siempre y en consecuencia también ahora,

fuera de la sospechosa temporalidad en que hoy,

engañosamente sin duda, los vemos,

cuando, rotas las columnas del templo y derrumbados

estruendosamente el artesonado y buena parte

de la techumbre,

con el rostro destruido y el poso del sufrimiento interminable

en la cansina mirada

pasan irreconocibles por la extraviada calleja

para ir acaso a buscar

en el rápido amor mercenario de un esquinazo de extrarradio

el pasajero alivio

al terrible dolor de estar vivos aún.

 

En: “Metáfora del desafuero” (1988)

 

Sem título

(Annarapu Narender: artista indiano)

 

A beleza humana

 

A beleza humana é o lugar onde se dissimula e disfarça,

ainda que com alguma surpreendente imperfeição,

um fulminante império

de eternidade, muito semelhante a um raio, que, como tal,

não pode ser senão de curta duração,

já que se descarrega em seu enorme poder e totalidade

a cada clarão, o qual, no entanto, se repete infinitamente.

Mas a beleza sobre a qual argumentamos não deixa,

apesar de tudo, de se assemelhar, em seu caráter sombrio,

a um céu lobregamente tormentoso

que, no meio da iminente tempestade,

descobre-se miraculosamente sobrestado

num purpúreo crepúsculo, suspenso num êxtase de verão,

quando todos os pássaros de repente param de cantar

e não se ouve o vento. E acontece que, sem perder

um único ponto

dessa perfeita calma onde nada se ouve e nenhuma

folha se move no álamo leve e impaciente,

tudo se torna, paradoxalmente, presa do vendaval, e então

a catedralícia vacância inabitável de um trovão

de grave supremacia

assalta-nos impacientemente com a sua audácia gótica

de infinitude

a partir do corpo humano mais belo, imóvel e silencioso,

e de repente há um raio, como disse, instalado no vento

e na sempiterna instantaneidade.

Não peçamos, pois, aos belos seres que, de vez em quando,

nos concedem o dom altíssimo de um desdenhoso sorriso,

ao qual têm um direito irrestrito como o dos antigos monarcas,

não lhes peçamos, insisto, duração,

já que a possuem sem hesitação.

Fazem bem, no entanto, em ostentar um hipócrita

envelhecimento com o passar dos anos,

pois sabemos muito bem que isso é outra coisa

que acontece noutro lugar,

algo que nada tem a ver

com aquela fúria de ser com que se expressavam,

com aquela absoluta quietude por onde atravessava

incessantemente o furacão arrasador

que não movia em nada as rosas ardentes do reino,

tranquilas como o amanhecer que elas eram, talvez em pleno

pôr do sol,

furacão de benignidade que os deixava por um instante,

ou seja, para sempre e, consequentemente, também agora,

fora da suspeitosa temporalidade em que hoje, enganosamente

sem dúvida, os vemos,

quando, destroçadas as colunas do templo e derruídos

estrondosamente o artesoado e boa parte do teto,

com o rosto destruído e o travo de um sofrimento interminável

no afadigado olhar,

passam irreconhecíveis pelo beco perdido

para talvez buscar,

no rápido amor mercenário de uma esquina suburbana,

o alívio passageiro

para a terrível dor de ainda estarem vivos.

 

Em: “Metáfora da transgressão” (1988)

 

Referência:

 

BOUSOÑO, Carlos. La belleza human. In: __________. Poesía – Antologia: 1945-1993. Edición de Alejandro Duque Amusco. 2. ed. Madrid, ES: Espasa Calpe, 1995. p. 249-251. (Colección ‘Austral’; v. 313)

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