Em um mundo cada vez
mais dominado pela tecnologia e pelos avanços científicos, o poeta armênio
levanta a voz para nos conscientizar da dependência que deles temos, a despeito
da patente incapacidade de as máquinas, digo melhor, os computadores – os nomeados
“deuses dos novos tempos” – compreenderem os aspectos mais profundos da natureza
humana.
Com efeito,
parece-lhe que não há por que confiar nos cálculos e na lógica para se entender
fenômenos como o amor, a dor, a tristeza, a esperança, a fé, a saudade e a desilusão,
pois a complexidade da experiência humana mostra-se irredutível a números e
equações.
Mais do que isso: a
crítica do autor se estende aos usos espúrios dos aprimoramentos tecnológicos –
como submarinos nucleares, bombas de hidrogênio e canhões (atualizemos, mísseis
hipersônicos e drones) –, os quais, em vez de trazerem bem-estar e segurança, acabam
por ser empregados pela indústria armamentista na promoção de guerras
intermináveis.
Ao fim, o grito
desesperado para que preservemos a nossa condição humana ante os perigos de nos
tornarmos seres insensíveis, autopáticos, talvez infensos a quaisquer ponderações
éticas.
J.A.R. – H.C.
Paruyr Sevak
(1924-1971)
Apelo aos
Computadores Eletrônicos do Mundo
Cálculos e mais
cálculos!...
Vamos, calculem
em quantos segundos
na frequência de que
onda
quantos gramas de
sangue
afluem do coração
duma donzela
às suas faces
inocentes,
deflagrando o
estalido termonuclear
a que faz tanto tempo
ingenuamente
damos o nome de
rubor;
que torrente de raios
cósmicos
transpõe, como um espaço
sideral,
nossos olhos no
momento exato
dum encontro total
com outros olhos...
se esses recíprocos
reflexos
lesam ou felicitam o
nosso coração!
Cálculos e mais
cálculos!...
Vamos, calculem
quantos quilowatts de
energia
têm transmitido as
nossas palmas
no acariciar as
tenras mãozinhas
e os suaves cabelos
das crianças,
o grácil talhe de
nossas amadas,
os ombros acurvados
dos avós,
e se de todos temos
recebido
menos ou mais do que
lhes temos dado?
Calculem mais!
Continuem calculando!
Calculem, eu lhes
peço
quantos na vida,
ao menos um de nós,
a quantas mulheres
deitaram
um olhar sensual,
a quantas um de pura
admiração,
a quantas um de
fraternal ternura,
e indiquem um lugar
onde encontrar aquelas
que poderiam ter-nos
amado com paixão,
mas nunca foi possível
nosso encontro?...
Revelem-nos o número
de filhos
que poderíamos ter
tido,
mas não tivemos e
jamais teremos.
Revelem-nos também o número de quantos
já sentíamos nossos,
mas não foram...
Calculem mais!
Continuem calculando!
pois ainda ignoramos
por que o homem ri,
somente o homem
e mais nenhum
vivente...
Revelem-nos, então,
quantas as vibrações
que há em nosso
sorriso,
e as variações de
seus matizes;
demonstrem em que
diferem
o risinho enganoso e
o sorriso leal.
Com esse poderoso
cérebro eletrônico
e esse faiscante olho
de ciclope
desprovido de
esclerótica,
façam
a análise da saudade;
recolham
essa névoa invisível
que dela sempre emana
e digam
em que rumo se vai...
Calculem mais!...
Calculem
indefinidamente
e estabeleçam desde
logo
a data, o tempo
aproximado
em que os povos
errantes finalmente
se recuperarão de sua
sina
e as nações
agressoras
terão a merecida
punição...
Quantos seres, há
séculos sem número,
perdida a fé no Deus
inalterável
continuam esperando,
esperando, esperando!
Vocês, os deuses dos
novos tempos,
não nos defraudem,
ao menos,
não ressurjam
decepcionantes!
Computem quantas
pontes
de país a país
quiséramos passar,
mas jamais o fizemos,
que jamais
cruzaremos!...
Contabilizem
as ilusões e os
sonhos,
nomes com que
expressamos neste mundo
as nossas
frustrações,
nossos desejos
mutilados...
Revelem-nos
o número preciso de
descrenças
em que amadurecemos,
ou, mais amiúde,
emurchecemos
cedo demais...
Assinalem
a trilha da desilusão
e possamos confiar
em que não seja igual
ao trâmite do raio.
Mostrem-nos
a senda do desengano
– e praza a Deus não
seja em ziguezague –,
e as veredas do desencanto
– e oxalá não se
alinhem paralelas,
ao curso de nossa
vida,
porque, por mais que
se prolonguem,
as paralelas não se encontram
nunca...
Revelem-nos
a soma daquelas
nossas horas
sem número e sem
conta,
que nos momentos
fáceis ou difíceis
se afastaram... se
perderam
na esperança das
rotinas
e desse ir e vir do
dia a dia,
na leitura de jornais
de distintos idiomas,
por cujas negras
manchetes flamejantes,
manhã após manhã,
com seu olhar
singular
espreitam os canhões
os nossos olhos,
e os submarinos
afundam
nossos anseios em
nossas almas...
e as bombas de
hidrogênio
ameaçam converter em
água branca
o sangue rubro de nossas
veias.
Calculem finalmente
com quantas toneladas
de átomos se pode
facilmente rachar o
núcleo da terra.
Digam-nos, outrossim,
com a invenção de que
armas
as mães hão de perder
o dom da concepção.
Se conseguirem
explicar tudo isso
já não será preciso
que nos digam
qual o peso da
ausência da fé;
só restaria
esclarecer-nos
por qual milagre o
peso dessa ausência
inda não nos fincou
na terra até o pescoço,
com aguçada estaca...
Informem-nos também,
sem subterfúgios,
que tempo levará para
voltar ao mundo
o menino de Andersen,
graças a quem os reis
souberam
que estavam
totalmente nus,
e peço-lhes que digam
mais
se os reis,
reconhecendo o fato,
cobrirão a nudez ou,
obstinadamente,
obrigarão os que se
opõem,
ou se envergonham,
a marchar pela terra
com os olhos
vendados...
Descubram
se a surdez
beethoveniana
não tem algo que ver
com explosões tremendas
que se sucedem,
agora,
quer no planeta, quer
acima dele,
e, se isso for
verdade, eu lhes suplico
que nos expliquem
se o mundo de hoje é
mais feliz
por abrigar tantos
Beethovens,
ou apenas se aumentou
o número dos surdos.
Determinem, por
último,
como, por meio de que
máquina sublime,
a despeito de tudo,
será possível fazer o
homem
continuar homem,
ou se já mesmo existe
algum possível meio
de converter o homem
em verdadeiro
Homem!...
O Êxodo
(Robert C. Spencer: pintor
norte-americano)
Referência:
SEVAK, Paruyr. Apelo
aos computadores eletrônicos do mundo. Provável tradução de Yessai Ohannes Kerouzian.
In: KEROUZIAN, Yessai Ohannes (Organizador e provável tradutor). A nova
poesia armênia. [São Paulo (SP)?]: [s. ed.]; [1982?]. p. 223-227. (Série “Armênia”;
nº 8).
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