Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 4 de novembro de 2025

W. B. Yeats - Deus segundo o Indiano

Ciente de que, na Índia, prevalece uma concepção panteísta e animista do universo, especialmente nas crenças hinduístas – em cujas tradições se valoriza a visão de um Criador multifacetado e imanente –, Yeats lança mão de algumas formas da natureza a que mais se atêm os seus fiéis – tetraz, lótus, corço, pavão –, para personificar, em discursos individuais predicatórios, o espírito universal de Brahma que ressoa em cada uma delas.

 

Tomado o poema sob outra mirada, não se pode deixar de associar a fala de cada supracitado ser à sentença contida em Gênesis 1:26, na qual se afirma que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança: o leitor há de perceber, assentindo ou não com o cotejo, que há um matiz muito mais “democrático” na visão oriental, pois que, nela, não somente o homem teria se plasmado a partir da “Imago Dei”, senão todos os seres, os quais refletiriam sempre alguma faceta, atributo ou elemento da essência divina.

 

J.A.R. – H.C.

 

W. B. Yeats

(1865-1939)

 

The Indian upon God

 

I passed along the water’s edge below the humid trees,

My spirit rocked in evening light, the rushes round my knees,

My spirit rocked in sleep and sighs; and saw the moorfowl pace

All dripping on a grassy slope, and saw them cease to chase

Each other round in circles, and heard the eldest speak:

Who holds the world between His bill and made us strong or weak

Is an undying moorfowl, and He lives beyond the sky.

The rains are from His dripping wing, the moonbeams from His eye.

I passed a little further on and heard a lotus talk:

Who made the world and ruleth it, He hangeth on a stalk,

For I am in His image made, and all this tinkling tide

Is but a sliding drop of rain between His petals wide.

A little way within the gloom a roebuck raised his eyes

Brimful of starlight, and he said: The Stamper of the Skies,

He is a gentle roebuck; for how else, I pray, could He

Conceive a thing so sad and soft, a gentle thing like me?

I passed a little further on and heard a peacock say:

Who made the grass and made the worms and made my feathers gay,

He is a monstrous peacock, and He waveth all the night

His languid tail above us, lit with myriad spots of light.

 

Ganesha tocando tambor

(M. Singh: artista indiano)

 

Deus segundo o Indiano

 

Passei à beira d’água sob as árvores umedecidas,

Com o espírito agitado pela luz do entardecer, os juncos rodeando-me

os joelhos,

Em letargo e em suspiros embalado o espírito; e vi tetrazes, todos

encharcados,

Percorrendo um relvado em declive, até que deixassem de se orientar

Uns pelos outros, quando então escutei o mais velho afirmar:

Quem sustenta o mundo em Seu bico e nos torna fortes ou fracos

É um tetraz imortal, e Ele vive para além do céu.

As chuvas vêm de Suas asas gotejantes, o clarão da lua de Seus olhos.

Mais alguns passos adiante, a fala de um lótus se fazia ecoar:

Quem criou o mundo e o governa pende de uma haste,

Pois que sou feito à Sua imagem, e toda esta maré tilintante

Não é mais que uma gota de chuva a deslizar entre Suas largas pétalas.

A pouca distância, no meio das sombras, um corço ergueu os olhos,

Transbordantes de luz das estrelas, e arrazoou: o Litógrafo dos Céus

É um corço dócil; pois que de outra forma, digam-me, poderia Ele

Conceber algo tão suave e tristonho, uma criatura tão dócil quanto eu?

Caminhando um pouco mais, chegou-me aos ouvidos o que dizia um pavão:

A relva e os vermes, bem assim minhas vistosas penas, são criações

De um prodigioso pavão que agita languidamente, por toda a noite,

A Sua cauda sobre nós, ornada por miríades de pontos de luz.

 

Referência:

 

YEATS, W. B. The Indian upon God. In: __________. Collected poems: complete & unabridged. With an introduction by Robert Mighall. 3th ed. London, EN: Macmillan Collector’s Library, 2016. p. 41.

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