Ciente de que, na
Índia, prevalece uma concepção panteísta e animista do universo, especialmente nas
crenças hinduístas – em cujas tradições se valoriza a visão de um Criador
multifacetado e imanente –, Yeats lança mão de algumas formas da natureza a que
mais se atêm os seus fiéis – tetraz, lótus, corço, pavão –, para personificar,
em discursos individuais predicatórios, o espírito universal de Brahma que
ressoa em cada uma delas.
Tomado o poema sob
outra mirada, não se pode deixar de associar a fala de cada supracitado ser à
sentença contida em Gênesis 1:26, na qual se afirma que Deus criou o homem à
sua imagem e semelhança: o leitor há de perceber, assentindo ou não com o cotejo,
que há um matiz muito mais “democrático” na visão oriental, pois que, nela, não
somente o homem teria se plasmado a partir da “Imago Dei”, senão todos os seres,
os quais refletiriam sempre alguma faceta, atributo ou elemento da essência
divina.
J.A.R. – H.C.
W. B. Yeats
(1865-1939)
The Indian upon God
I passed along the
water’s edge below the humid trees,
My spirit rocked in
evening light, the rushes round my knees,
My spirit rocked in
sleep and sighs; and saw the moorfowl pace
All dripping on a
grassy slope, and saw them cease to chase
Each other round in
circles, and heard the eldest speak:
Who holds the world
between His bill and made us strong or weak
Is an undying
moorfowl, and He lives beyond the sky.
The rains are from
His dripping wing, the moonbeams from His eye.
I passed a little
further on and heard a lotus talk:
Who made the world
and ruleth it, He hangeth on a stalk,
For I am in His image
made, and all this tinkling tide
Is but a sliding drop
of rain between His petals wide.
A little way within
the gloom a roebuck raised his eyes
Brimful of starlight,
and he said: The Stamper of the Skies,
He is a gentle
roebuck; for how else, I pray, could He
Conceive a thing so
sad and soft, a gentle thing like me?
I passed a little
further on and heard a peacock say:
Who made the grass
and made the worms and made my feathers gay,
He is a monstrous
peacock, and He waveth all the night
His languid tail
above us, lit with myriad spots of light.
Ganesha tocando
tambor
(M. Singh: artista
indiano)
Deus segundo o
Indiano
Passei à beira d’água
sob as árvores umedecidas,
Com o espírito agitado
pela luz do entardecer, os juncos rodeando-me
os joelhos,
Em letargo e em suspiros
embalado o espírito; e vi tetrazes, todos
encharcados,
Percorrendo um
relvado em declive, até que deixassem de se orientar
Uns pelos outros,
quando então escutei o mais velho afirmar:
Quem sustenta o mundo
em Seu bico e nos torna fortes ou fracos
É um tetraz imortal,
e Ele vive para além do céu.
As chuvas vêm de Suas
asas gotejantes, o clarão da lua de Seus olhos.
Mais alguns passos
adiante, a fala de um lótus se fazia ecoar:
Quem criou o mundo e
o governa pende de uma haste,
Pois que sou feito à
Sua imagem, e toda esta maré tilintante
Não é mais que uma
gota de chuva a deslizar entre Suas largas pétalas.
A pouca distância, no
meio das sombras, um corço ergueu os olhos,
Transbordantes de luz
das estrelas, e arrazoou: o Litógrafo dos Céus
É um corço dócil;
pois que de outra forma, digam-me, poderia Ele
Conceber algo tão
suave e tristonho, uma criatura tão dócil quanto eu?
Caminhando um pouco
mais, chegou-me aos ouvidos o que dizia um pavão:
A relva e os vermes,
bem assim minhas vistosas penas, são criações
De um prodigioso
pavão que agita languidamente, por toda a noite,
A Sua cauda sobre
nós, ornada por miríades de pontos de luz.
Referência:
YEATS, W. B. The Indian
upon God. In: __________. Collected poems: complete & unabridged. With
an introduction by Robert Mighall. 3th ed. London, EN: Macmillan Collector’s
Library, 2016. p. 41.
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