Enquanto percorre a
Rue Descartes, em Paris, o sujeito lírico empreende uma longa reflexão sobre o
estiolamento das tradições, o choque com o novo “modus vivendi” da sociedade
contemporânea e a busca de sentido em um mundo cambiante, onde as glórias do
passado se esmaecem, os impérios caem e as gerações se sucedem – enquanto a
cidade mantém-se de pé, com seus “monumentos esquecidos” e “árias quase
inaudíveis”.
Entre os turbilhonantes
pensamentos, a realidade trágica das ideologias: ainda que busquem a
emancipação e a justiça universal, albergadas em teorias assentes sobre belos
ideais orientadores, são utilizadas amiúde para justificar o emprego da
violência, impondo repetidamente a morte em nome de causas justas.
J.A.R. – H.C.
Czesław Miłosz
(1911-2004)
Rue Descartes
Mijając ulicę Descartes
Schodziłem ku
Sekwanie, miody barbarzyńca w podróŝy
Onieśmielony przybyciem do
stolicy świata.
Było nas wielu, z
Jass i Koloszwaru, Wilna i Bukaresztu,
Sajgonu i Marakesz,
Wstydliwie pamiętających domowe zwyczaje
O których nie naleŝało mówić tu nikomu:
Klaśniecie na słuŝbę, nadbiegają dziewki bose,
Dzielenie pokarmów z
inkantacjami,
Chóralne modły
odprawiane przez panów i czeladź.
Zostawiłem za sobą pochmurne powiaty.
Wkraczałem w
uniwersalne, podziwiając, pragnąc.
Następnie wielu z Jass i
Koloszwaru, albo Sajgonu albo Marakesz
Było zabijanych
poniewaŝ chcieli obalić domowe zwyczaje.
Następnie ich koledzy
zdobywali władzę
śeby zabijać w imię pięknych idei uniwersalnych.
Tymczasem zgodnie ze
swoją naturą zachowywało się miasto,
Gardłowym śmiechem odzywając się w ciemności,
Wypiekając długie chleby i w gliniane dzbanki nalewając wino,
Ryby, cytryny i
czosnek kupując na targach,
Obojętne na honor i hańbę i wielkość i chwałę,
Poniewaŝ to wszystko juŝ było i zmieniło się
W pomniki
przedstawiające nie wiadomo kogo,
W ledwo słyszalne
arie albo zwroty mowy.
Znowu opieram łokcie
o szorstki granit nabrzeŝa,
Jakbym wrócił z wędrówki po krajach podziemnych
I nagle zobaczył w świetle kręcące się koło sezonów
Tam gdzie upadły
imperia, a ci co ŝyli, umarli.
I nie ma juŝ tu i nigdzie stolicy
świata.
I wszystkim obalonym
zwyczajom wrócono ich dobre imię.
I juŝ wiem, ŝe czas ludzkich
pokoleń niepodobny do czasu Ziemi.
A z cięŝkich moich grzechów jeden najlepiej pamiętam:
Jak przechodząc raz leśną ścieŝką nad potokiem
Zrzuciłem duŝy kamień na wodnego węŝa zwiniętego w trawie.
I co mnie w ŝyciu spotkało było słuszną karą,
Która prędzej czy później łamiącego zakaz dosięgnie.
Berkeley, 1980
Z: “Hymn o Perle”
(1982)
Paisagem com Cadmo e
a serpente
(Nicolas Poussin:
pintor francês)
Rue Descartes
Passando pela Rue
Descartes
Eu descia rumo ao
Sena, jovem bárbaro em viagem
Intimidado ao chegar
à capital do mundo.
Éramos muitos, de
Iássy e Kolóchvar, Vilnius e Bucareste,
Saigon e Marrakech,
Envergonhados à
lembrança dos costumes de casa,
De que não convinha
falar aqui a ninguém:
O bater de palmas
chamando a criadagem, moças descalças
acudindo,
A partilha da comida
entre encantamentos,
O coro das preces
entoadas por senhores e servos.
Em seguida, muitos de
Iássy e Kolóchvar, ou de Saigon
ou Marrakech
Foram mortos, pois quiseram
abolir os costumes de casa.
Em seguida, seus
colegas conquistaram o poder
Para matar em nome de
belas ideias universais.
Entretanto, conforme
sua natureza, a cidade persistia,
Reverberando um riso
gutural na escuridão,
Assando longos pães e
vertendo vinho em cântaros de barro,
Comprando peixe,
limão e alho nas feiras,
Indiferente à honra e
à infâmia e à grandeza e à glória,
Porque tudo isso já
houve e tudo se transformou
Em monumentos a
representar não se sabe quem,
Em árias e torneios
de frase que mal se escutam.
De novo apoio os
cotovelos no granito áspero da murada,
Como se retornasse de
uma jornada por reinos subterrâneos
E de súbito
enxergasse na luz a roda movente das estações
Ali onde impérios
caíram e os que viviam pereceram.
E já não há aqui nem
em parte alguma capital do mundo.
E a todos os costumes
abolidos se restituiu o bom nome.
E já sei que o tempo
das gerações humanas não se assemelha
ao tempo da Terra.
E de meus pecados um,
sobretudo, guardo na lembrança:
Como certa vez,
passando por uma trilha no bosque junto
de um riacho,
Esmaguei com um
pedregulho uma cobra-d’água enrodilhada
na relva,
E o que veio de
encontro a mim na vida foi o justo castigo
Que cedo ou tarde
alcança o infrator de cada interdito.
Berkeley, 1980
Em: “Hino sobre a
Pérola” (1982)
Referência:
MIŁOSZ, Czesław. Rue Descartes / Rue Descartes. Tradução de Marcelo Paiva
de Souza. In: __________. Para isso fui
chamado: poemas. Seleção, tradução e introdução de Marcelo
Paiva de Souza. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2023. Em polonês:
p. 158 e 160; em português: p. 159 e 161.
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