Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Czesław Miłosz - Rue Descartes

Enquanto percorre a Rue Descartes, em Paris, o sujeito lírico empreende uma longa reflexão sobre o estiolamento das tradições, o choque com o novo “modus vivendi” da sociedade contemporânea e a busca de sentido em um mundo cambiante, onde as glórias do passado se esmaecem, os impérios caem e as gerações se sucedem – enquanto a cidade mantém-se de pé, com seus “monumentos esquecidos” e “árias quase inaudíveis”.

 

Entre os turbilhonantes pensamentos, a realidade trágica das ideologias: ainda que busquem a emancipação e a justiça universal, albergadas em teorias assentes sobre belos ideais orientadores, são utilizadas amiúde para justificar o emprego da violência, impondo repetidamente a morte em nome de causas justas.

 

J.A.R. – H.C.

 

Czesław Miłosz

(1911-2004)

 

Rue Descartes

 

Mijając ulicę Descartes

Schodziłem ku Sekwanie, miody barbarzyńca w podróŝy

Onieśmielony przybyciem do stolicy świata.

 

Było nas wielu, z Jass i Koloszwaru, Wilna i Bukaresztu,

Sajgonu i Marakesz,

Wstydliwie pamiętających domowe zwyczaje

O których nie naleŝało mówić tu nikomu:

Klaśniecie na słuŝbę, nadbiegają dziewki bose,

Dzielenie pokarmów z inkantacjami,

Chóralne modły odprawiane przez panów i czeladź.

 

Zostawiłem za sobą pochmurne powiaty.

Wkraczałem w uniwersalne, podziwiając, pragnąc.

 

Następnie wielu z Jass i Koloszwaru, albo Sajgonu albo Marakesz

Było zabijanych poniewaŝ chcieli obalić domowe zwyczaje.

 

Następnie ich koledzy zdobywali władzę

śeby zabijać w imię pięknych idei uniwersalnych.

 

Tymczasem zgodnie ze swoją naturą zachowywało się miasto,

Gardłowym śmiechem odzywając się w ciemności,

Wypiekając długie chleby i w gliniane dzbanki nalewając wino,

Ryby, cytryny i czosnek kupując na targach,

Obojętne na honor i hańbę i wielkość i chwałę,

Poniewaŝ to wszystko juŝ było i zmieniło się

W pomniki przedstawiające nie wiadomo kogo,

W ledwo słyszalne arie albo zwroty mowy.

 

Znowu opieram łokcie o szorstki granit nabrzeŝa,

Jakbym wrócił z wędrówki po krajach podziemnych

I nagle zobaczył w świetle kręcące się koło sezonów

Tam gdzie upadły imperia, a ci co ŝyli, umarli.

I nie ma juŝ tu i nigdzie stolicy świata.

I wszystkim obalonym zwyczajom wrócono ich dobre imię.

I juŝ wiem, ŝe czas ludzkich pokoleń niepodobny do czasu Ziemi.

 

A z cięŝkich moich grzechów jeden najlepiej pamiętam:

Jak przechodząc raz leśną ścieŝką nad potokiem

Zrzuciłem duŝy kamień na wodnego węŝa zwiniętego w trawie.

 

I co mnie w ŝyciu spotkało było słuszną karą,

Która prędzej czy później łamiącego zakaz dosięgnie.

 

Berkeley, 1980

Z: “Hymn o Perle” (1982)

 

Paisagem com Cadmo e a serpente

(Nicolas Poussin: pintor francês)

 

Rue Descartes

 

Passando pela Rue Descartes

Eu descia rumo ao Sena, jovem bárbaro em viagem

Intimidado ao chegar à capital do mundo.

 

Éramos muitos, de Iássy e Kolóchvar, Vilnius e Bucareste,

Saigon e Marrakech,

Envergonhados à lembrança dos costumes de casa,

De que não convinha falar aqui a ninguém:

O bater de palmas chamando a criadagem, moças descalças

acudindo,

A partilha da comida entre encantamentos,

O coro das preces entoadas por senhores e servos.

 

Em seguida, muitos de Iássy e Kolóchvar, ou de Saigon

ou Marrakech

Foram mortos, pois quiseram abolir os costumes de casa.

 

Em seguida, seus colegas conquistaram o poder

Para matar em nome de belas ideias universais.

 

Entretanto, conforme sua natureza, a cidade persistia,

Reverberando um riso gutural na escuridão,

Assando longos pães e vertendo vinho em cântaros de barro,

Comprando peixe, limão e alho nas feiras,

Indiferente à honra e à infâmia e à grandeza e à glória,

Porque tudo isso já houve e tudo se transformou

Em monumentos a representar não se sabe quem,

Em árias e torneios de frase que mal se escutam.

 

De novo apoio os cotovelos no granito áspero da murada,

Como se retornasse de uma jornada por reinos subterrâneos

E de súbito enxergasse na luz a roda movente das estações

Ali onde impérios caíram e os que viviam pereceram.

E já não há aqui nem em parte alguma capital do mundo.

E a todos os costumes abolidos se restituiu o bom nome.

E já sei que o tempo das gerações humanas não se assemelha

ao tempo da Terra.

 

E de meus pecados um, sobretudo, guardo na lembrança:

Como certa vez, passando por uma trilha no bosque junto

de um riacho,

Esmaguei com um pedregulho uma cobra-d’água enrodilhada

na relva,

 

E o que veio de encontro a mim na vida foi o justo castigo

Que cedo ou tarde alcança o infrator de cada interdito.

 

Berkeley, 1980

Em: “Hino sobre a Pérola” (1982)

 

Referência:

 

MIŁOSZ, Czesław. Rue Descartes / Rue Descartes. Tradução de Marcelo Paiva de Souza. In: __________. Para isso fui chamado: poemas. Seleção, tradução e introdução de Marcelo Paiva de Souza. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2023. Em polonês: p. 158 e 160; em português: p. 159 e 161.

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