Este poema é uma das
subseções da seção IV da obra “Do Mundo”, publicada em 1994, do renomado poeta
português, na qual o falante nos descreve o simples ato de nomear e de segurar uma
pera entre os dedos, a partir do qual se desencadeia uma cascata de reflexões
sobre a condição humana, a relação mente/corpo, a nossa inserção nos ciclos e
mistérios do cosmos, a criação artística como forma de dar sentido ao mundo.
Imersa nessa rede de
temas existenciais e metafísicos, a pera se transforma numa metáfora para a
impermanência, presa ao fluxo do tempo que a tudo estiola e leva à expiração.
Mas, aqui, não se vê a morte como um fim, senão como um momento de transformação
e de criação, o exato ponto em que a palavra se torna mais aguda e intensa,
digo melhor, a linguagem assume a região central do palco para porfiar contra o
“buraco negro” do olvido, convertendo-se num espaço de resistência.
J.A.R. – H.C.
Herberto Helder
(1930-2015)
Com uma pera, dou-lhe
um nome de erro
Com uma pera, dou-lhe
um nome de erro
entre mim e tudo, na
mão, amadureço
enquanto ela se torna
propícia,
amarela ao influxo do
vento de estrela para estrela.
O sangue da mão
ensombra a fruta na sua volta
de átomos, abala
imagem, arquitectura.
E o espaço que isto
cria: a noite
aparece no ar. E
dura, leve, tersa, curva,
a linha
do fogo entrecruza
os pontos paralelos:
a pera desde o esplendor,
a mão desde
o equilíbrio, os
centros
do sistema geral do
corpo, o buraco negro.
Morro?
Escrevo apenas, e o
hausto aspira
dedos e pera, enigma
e sentido, ordem, peso,
o papel onde assenta
a constelação do
mundo com esse buraco
negro e as palavras
em torno.
No instante extremo
de
desaparecerem.
Se morro, é por
exemplo.
Em: “Do Mundo” (1994)
Mão segurando uma
pera
(Rachel van Wylen:
pintora norte-americana)
Referência:
HELDER, Herberto. Com
uma pera, dou-lhe um nome de erro. In: __________. Poemas completos. 1.
ed. Rio de Janeiro, RJ: Tinta-da-china Brasil, 2016. p. 505-506. (“Grandes
Escritores Portugueses”)
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário