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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Nuno Júdice - O mistério da beleza

A beleza tem lá os seus mistérios, podendo surgir em situações inesperadas – como no caso descrito nestes versos, em que a luz do sol transforma um simples copo d’água num objeto brilhante –, oferecendo-nos insights reveladores, durante os quais chegamos a compreender uma realidade mais profunda e essencial oculta nas coisas e até mesmo nas pessoas.

 

Júdice pressupõe, a propósito, a existência de uma espécie de fronteira entre o conhecimento e aquilo de que não precisamos ter plena compreensão, sugerindo que há aspectos na vida e na beleza que transcendem a razão e devem ser experimentados em sua simples pureza, pois que indicativos da conexão entre o ordinário e o extraordinário, entre o físico e o metafísico.

 

A conduta do agnóstico, que busca incessantes explicações lógicas para o aparentemente inverossímil – como se tudo na vida pudesse ser previsto e entendido –, vê-se em questão diante da impossibilidade de se reduzir a beleza a uma mera casualidade, sobretudo quando enredada em suas variantes epifânicas, a par – aditemos oportunamente – com o etéreo e frágil fio do sublime.

 

J.A.R. – H.C.

 

Nuno Júdice

(1949-2024)

 

O mistério da beleza

 

A manifestação do absoluto deu-se num copo

de água, quando o sol saiu de trás de uma nuvem

e lhe deu o brilho inesperado no meio da mais

cinzenta das manhãs. Por vezes, pensa o agnóstico,

o que é inverosímil nasce de uma pura explicação

lógica, como se o acaso não existisse. O que ele

faz, porém, é colocar-se na posição do homem

que não aceita que a beleza possa surgir do nada,

ao descobrir que tem o pé na fronteira entre o que

sabemos e o que não precisamos, sequer, de

compreender. Por isso, ao beber a água, senti

o brilho da manhã encher-me a alma, como

se a água fosse mais do que um líquido incolor

e inodoro. Porém, quando pousei o copo vazio,

sentindo a falta da luz que o enchera, pensei

como é frágil essa pequena beleza, e

que talvez fosse melhor ter ficado com sede.

 

Mulher bebendo um copo d’água

(Mercedes Salgado: artista espanhola)

 

Referência:

 

JÚDICE, Nuno. O mistério da beleza. In: __________. El misterio de la belleza. Traducción y presentación de Blanca Luz Pulido. Edición bilingüe: portugués x español. 1.ed. Monterrey, MX: Universidad Autónoma de Nuevo León, 2010. p. 34.

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