A beleza tem lá os
seus mistérios, podendo surgir em situações inesperadas – como no caso descrito
nestes versos, em que a luz do sol transforma um simples copo d’água num objeto
brilhante –, oferecendo-nos insights reveladores, durante os quais chegamos a
compreender uma realidade mais profunda e essencial oculta nas coisas e até mesmo
nas pessoas.
Júdice pressupõe, a propósito,
a existência de uma espécie de fronteira entre o conhecimento e aquilo de que
não precisamos ter plena compreensão, sugerindo que há aspectos na vida e na
beleza que transcendem a razão e devem ser experimentados em sua simples pureza,
pois que indicativos da conexão entre o ordinário e o extraordinário, entre o
físico e o metafísico.
A conduta do
agnóstico, que busca incessantes explicações lógicas para o aparentemente
inverossímil – como se tudo na vida pudesse ser previsto e entendido –, vê-se
em questão diante da impossibilidade de se reduzir a beleza a uma mera
casualidade, sobretudo quando enredada em suas variantes epifânicas, a par – aditemos
oportunamente – com o etéreo e frágil fio do sublime.
J.A.R. – H.C.
Nuno Júdice
(1949-2024)
O mistério da beleza
A manifestação do
absoluto deu-se num copo
de água, quando o sol
saiu de trás de uma nuvem
e lhe deu o brilho inesperado
no meio da mais
cinzenta das manhãs.
Por vezes, pensa o agnóstico,
o que é inverosímil
nasce de uma pura explicação
lógica, como se o
acaso não existisse. O que ele
faz, porém, é
colocar-se na posição do homem
que não aceita que a
beleza possa surgir do nada,
ao descobrir que tem
o pé na fronteira entre o que
sabemos e o que não
precisamos, sequer, de
compreender. Por
isso, ao beber a água, senti
o brilho da manhã
encher-me a alma, como
se a água fosse mais
do que um líquido incolor
e inodoro. Porém,
quando pousei o copo vazio,
sentindo a falta da
luz que o enchera, pensei
como é frágil essa
pequena beleza, e
que talvez fosse
melhor ter ficado com sede.
Mulher bebendo um
copo d’água
(Mercedes Salgado:
artista espanhola)
Referência:
JÚDICE, Nuno. O mistério da beleza. In: __________. El misterio de la belleza. Traducción y presentación de Blanca Luz Pulido. Edición bilingüe: portugués x español. 1.ed. Monterrey, MX: Universidad Autónoma de Nuevo León, 2010. p. 34.
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