Inspirado em um dado momento
na vida do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) – provavelmente o
de seu passamento –, Pina presta um tributo à complexidade e a beleza da comunicação
humana, apesar de suas inerentes limitações em capturar a totalidade da
realidade em que estamos imersos e, mesmo, a miríade de pensamentos que
circulam por nossas mentes.
Em um de seus lapidares
enunciados sobre a linguagem, asseverava Wittgenstein que aquilo que não pode
ser formulado e dito por meio de proposições dotadas de sentido, só podem ser
mostradas: criando um paralelo com tal ideia, o poeta se pergunta como podemos
nos comunicar eficazmente com tantas palavras e, ao mesmo tempo, sem palavras –
haja vista que inclusive o silêncio, se possível for, constrói-se por meio de
palavras.
O fato é que as
palavras são insuficientes, não conseguindo expressar a intensidade das
experiências que representam: amar e ser amado, lidar com a vida e a morte, com
o desespero e a alegria – ou tudo o mais que nos torna humanos – são vivências
que se encontram aprisionadas nas redes da linguagem, meio esse deveras incapaz de decifrar exaustivamente os enigmas do mundo.
J.A.R. – H.C.
Manuel António Pina
(1943-2012)
Ludwig W. em 1951
As palavras (o tempo
e os livros que
foram precisos para
aqui chegar,
ao sítio do primeiro
poema!)
são apenas seres
deste mundo,
insubstanciais seres,
incapazes também eles
de compreender,
falando
desamparadamente diante do mundo.
As palavras não
chegam,
a palavra azul
não chega,
a palavra dor
não chega.
Como falaremos com
tantas palavras? Com que
palavras e sem que
palavras?
E, no entanto, é à
sua volta
que se articula,
balbuciante,
o enigma do mundo.
Não temos mais nada,
e com tão pouco
havemos de amar e de
ser amados,
e de nos conformar à
vida e à morte,
e ao desespero, e à
alegria,
havemos de comer e de
vestir,
e de saber e de não
saber,
e até o silêncio, se
é possível o silêncio,
havemos de,
penosamente, com as nossas palavras
construí-lo.
Teremos então, enfim,
uma casa onde morar
e uma cama onde
dormir
e um sono onde
coincidiremos
com a nossa vida,
um sono coerente e
silencioso,
uma palavra só, sem
voz, inarticulável,
anterior e exterior,
como um limite
tendendo para destino nenhum
e para palavra
nenhuma.
O enigma do mundo
(Giorgio de Chirico:
pintor italiano)
Referência:
PINA, Manuel António.
Ludwig W. em 1951. In: __________. Nenhuma palavra e nenhuma lembrança.
Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 1999. p. 10-11.
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