Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 16 de novembro de 2025

Manuel António Pina - Ludwig W. em 1951

Inspirado em um dado momento na vida do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) – provavelmente o de seu passamento –, Pina presta um tributo à complexidade e a beleza da comunicação humana, apesar de suas inerentes limitações em capturar a totalidade da realidade em que estamos imersos e, mesmo, a miríade de pensamentos que circulam por nossas mentes.

 

Em um de seus lapidares enunciados sobre a linguagem, asseverava Wittgenstein que aquilo que não pode ser formulado e dito por meio de proposições dotadas de sentido, só podem ser mostradas: criando um paralelo com tal ideia, o poeta se pergunta como podemos nos comunicar eficazmente com tantas palavras e, ao mesmo tempo, sem palavras – haja vista que inclusive o silêncio, se possível for, constrói-se por meio de palavras.

 

O fato é que as palavras são insuficientes, não conseguindo expressar a intensidade das experiências que representam: amar e ser amado, lidar com a vida e a morte, com o desespero e a alegria – ou tudo o mais que nos torna humanos – são vivências que se encontram aprisionadas nas redes da linguagem, meio esse deveras incapaz de decifrar exaustivamente os enigmas do mundo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Manuel António Pina

(1943-2012)

 

Ludwig W. em 1951

 

As palavras (o tempo e os livros que

foram precisos para aqui chegar,

ao sítio do primeiro poema!)

são apenas seres deste mundo,

insubstanciais seres, incapazes também eles

de compreender,

falando desamparadamente diante do mundo.

As palavras não chegam,

a palavra azul não chega,

a palavra dor não chega.

Como falaremos com tantas palavras? Com que

palavras e sem que palavras?

E, no entanto, é à sua volta

que se articula, balbuciante,

o enigma do mundo.

Não temos mais nada, e com tão pouco

havemos de amar e de ser amados,

e de nos conformar à vida e à morte,

e ao desespero, e à alegria,

havemos de comer e de vestir,

e de saber e de não saber,

e até o silêncio, se é possível o silêncio,

havemos de, penosamente, com as nossas palavras

construí-lo.

 

Teremos então, enfim, uma casa onde morar

e uma cama onde dormir

e um sono onde coincidiremos

com a nossa vida,

um sono coerente e silencioso,

uma palavra só, sem voz, inarticulável,

anterior e exterior,

como um limite tendendo para destino nenhum

e para palavra nenhuma.

 

O enigma do mundo

(Giorgio de Chirico: pintor italiano)

 

Referência:

 

PINA, Manuel António. Ludwig W. em 1951. In: __________. Nenhuma palavra e nenhuma lembrança. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 1999. p. 10-11.

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