Este poema de Celan é
um testemunho poético sobre o sofrimento humano – consistente num apelo e num
confronto desafiador com relação ao divino –, suscitado, presumivelmente, pelos
traumas em razão das atrocidades levadas a efeito, sobretudo, ao longo das
grandes guerras do século passado, corroendo os sustentáculos sobre os quais erigida
a mais inabalável fé num Deus de justiça.
O contraste entre a proximidade física e a distância espiritual cria uma tensão da qual se deduz um desejo de conexão, acoplado, paradoxalmente, a uma acusação implícita da passividade divina diante da dor, da angústia e do sofrimento humanos: reconhecendo a desesperança dos mortais, a voz lírica roga reciprocidade na oração, vale dizer, para inverter os papéis dos agentes nesse liame – “Reza, Senhor, reza por nós”!
J.A.R. – H.C.
Paul Celan
(1920-1970)
Tenebrae
Nah sind wir, Herr,
nahe und greifbar.
Gegriffen schon,
Herr,
ineinander verkrallt,
als wär
der Leib eines jeden
von uns
dein Leib, Herr.
Bete, Herr,
bete zu uns,
wir sind nah.
Windschief gingen wir
hin,
gingen wir hin, uns
zu bücken
nach Mulde und Maar.
Zur Tränke gingen
wir, Herr.
Es war Blut, es war,
was du vergossen,
Herr.
Es glänzt.
Es warf uns dein Bild
in die Augen, Herr.
Augen und Mund stehn
so offen und leer, Herr.
Wir haben getrunken,
Herr.
Das Blut und das
Bild, das im Blut war, Herr.
Bete, Herr.
Wir sind nah.
Tenebrae
(Sybil Andrews:
artista anglo-canadense)
Tenebrae
Estamos próximos,
Senhor,
próximos e palpáveis.
Palpados já, Senhor,
Agarrados uns aos
outros, como se
o corpo de cada um de
nós fosse
teu corpo, Senhor.
Roga, Senhor,
Roga por nós,
estamos próximos.
Empurrados pelo vento
fomos,
fomos até lá para
curvar-nos
rumo a vale e
cratera.
Fomos ao bebedouro,
Senhor.
Havia sangue, havia
o que verteste,
Senhor.
Brilhava.
Jogou-nos tua imagem
nos olhos, Senhor.
Olhos e boca estão
por demais abertos e vazios, Senhor.
Bebemos, Senhor.
O sangue e a imagem
que no sangue havia, Senhor.
Roga, Senhor.
Estamos próximos.
Referência:
CELAN, Paul. Tenebrae
/ Tenebrae. Tradução de Claudia Cavalcanti. In: __________. Cristal. Seleção
e tradução de Claudia Cavalcanti. 1. ed., 2. reimp. São Paulo, SP: Iluminuras,
2011. Em alemão: p. 66 e 68; em português: p. 67 e 69.
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário