Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 9 de novembro de 2025

Paul Celan - Tenebrae

Este poema de Celan é um testemunho poético sobre o sofrimento humano – consistente num apelo e num confronto desafiador com relação ao divino –, suscitado, presumivelmente, pelos traumas em razão das atrocidades levadas a efeito, sobretudo, ao longo das grandes guerras do século passado, corroendo os sustentáculos sobre os quais erigida a mais inabalável fé num Deus de justiça.

 

O contraste entre a proximidade física e a distância espiritual cria uma tensão da qual se deduz um desejo de conexão, acoplado, paradoxalmente, a uma acusação implícita da passividade divina diante da dor, da angústia e do sofrimento humanos: reconhecendo a desesperança dos mortais, a voz lírica roga reciprocidade na oração, vale dizer, para inverter os papéis dos agentes nesse liame – “Reza, Senhor, reza por nós”!

 

J.A.R. – H.C.

 

Paul Celan

(1920-1970)

 

Tenebrae

 

Nah sind wir, Herr,

nahe und greifbar.

 

Gegriffen schon, Herr,

ineinander verkrallt, als wär

der Leib eines jeden von uns

dein Leib, Herr.

 

Bete, Herr,

bete zu uns,

wir sind nah.

 

Windschief gingen wir hin,

gingen wir hin, uns zu bücken

nach Mulde und Maar.

 

Zur Tränke gingen wir, Herr.

 

Es war Blut, es war,

was du vergossen, Herr.

 

Es glänzt.

 

Es warf uns dein Bild in die Augen, Herr.

Augen und Mund stehn so offen und leer, Herr.

Wir haben getrunken, Herr.

Das Blut und das Bild, das im Blut war, Herr.

 

Bete, Herr.

Wir sind nah.

 

Tenebrae

(Sybil Andrews: artista anglo-canadense)

 

Tenebrae

 

Estamos próximos, Senhor,

próximos e palpáveis.

 

Palpados já, Senhor,

Agarrados uns aos outros, como se

o corpo de cada um de nós fosse

teu corpo, Senhor.

 

Roga, Senhor,

Roga por nós,

estamos próximos.

 

Empurrados pelo vento fomos,

fomos até lá para curvar-nos

rumo a vale e cratera.

 

Fomos ao bebedouro, Senhor.

 

Havia sangue, havia

o que verteste, Senhor.

 

Brilhava.

 

Jogou-nos tua imagem nos olhos, Senhor.

Olhos e boca estão por demais abertos e vazios, Senhor.

Bebemos, Senhor.

O sangue e a imagem que no sangue havia, Senhor.

 

Roga, Senhor.

Estamos próximos.

 

Referência:

 

CELAN, Paul. Tenebrae / Tenebrae. Tradução de Claudia Cavalcanti. In: __________. Cristal. Seleção e tradução de Claudia Cavalcanti. 1. ed., 2. reimp. São Paulo, SP: Iluminuras, 2011. Em alemão: p. 66 e 68; em português: p. 67 e 69.

Nenhum comentário:

Postar um comentário