Vallejo aborda a cólera
e a frustração que atormentam o homem, especialmente os pobres, decompondo e
fragmentando a existência, levando à perda de coesão, numa luta amarga e
desigual, tendo por consequência a dissolução da harmonia natural, em meio à
qual se desintegram quaisquer apelos por afirmação, quaisquer noções de
moralidade, quaisquer valores atinentes à equidade.
As injustiças
distributivas despertam a raiva dos pobres, que se volta contra as forças opressivas
e desestabilizadoras que as fomentam, eis que promotoras de infames
desigualdades com impactos desagregadores quer no mundo individual ou psicológico,
quer no social, quer ainda no nível cósmico, dando ensejo a sérios agravos
sobre a higidez da natureza, do pensamento e do próprio corpo humano.
J.A.R. – H.C.
César Vallejo
(1892-1938)
La cólera que quiebra
al hombre en niños
La cólera que quiebra
al hombre en niños,
que quiebra al niño
en pájaros iguales,
y al pájaro, después,
en huevecillos;
la cólera del pobre
tiene un aceite
contra dos vinagres.
La cólera que al
árbol quiebra en hojas,
a la hoja en botones
desiguales
y al botón, en
ranuras telescópicas;
la cólera del pobre
tiene dos ríos contra
muchos mares.
La cólera que quiebra
al bien en dudas,
a la duda, en tres
arcos semejantes
y al arco, luego, en
tumbas imprevistas;
la cólera del pobre
tiene un acero contra
dos puñales.
La cólera que quiebra
al alma en cuerpos,
al cuerpo en órganos
desemejantes
y al órgano, en
octavos pensamientos;
la cólera del pobre
tiene un fuego
central contra dos cráteres.
26 Oct. 1937
En: “Poemas humanos”
(1939)
Os sete pecados
capitais: ira
(Colleen Ranney:
artista canadense)
A cólera que parte o
homem em crianças
A cólera que parte o
homem em crianças,
que parte a criança em
pássaros iguais,
e o pássaro, depois,
em ovos diminutos;
a cólera do pobre
tem um azeite contra
dois vinagres.
A cólera que parte a
árvore em folhas,
e a folha em botões
desiguais
e o botão em ranhuras
telescópicas;
a cólera do pobre
tem dois ricos contra
muitos mares.
A cólera que parte o
bem em dúvidas,
a dúvida em três
arcos semelhantes
e o arco, depois, em
campas imprevistas;
a cólera do pobre
tem um aço contra
dois punhais.
A cólera que parte a
alma em corpos,
o corpo em órgãos
diferentes
e o órgão em oitavos
pensamentos;
a cólera do pobre
tem um lago central
contra duas crateras. (*)
26 Out. 1937
Em: “Poemas humanos”
(1939)
Nota:
(*). A tradução do
poema tem um lapso quando verte a palavra “fuego”, em espanhol, a “lago”, em
português – quando o correto seria fogo –, lapso esse que reputo a um provável
descuido na revisão.
Referências:
Em Espanhol
VALLEJO, César. La
cólera que quiebra al hombre en niños. In: __________. Obra poética completa.
Edición, prólogo y cronología por Enrique Ballón Aguirre. Segunda reimpresión.
Caracas, VE: Fundación Biblioteca Ayacucho, 2015. p. 183. (“Biblioteca Ayacucho”;
v. 58)
Em Português
VALLEJO, César. A
cólera que parte o homem em crianças. Tradução de José Bento. In: VALLEJO,
Cesar. Antologia. Selecção, tradução e prólogo de José Bento. Porto, PT:
Limiar, 1981. p. 74. (Coleção “Os olhos e a memória”; v. 16)
❁







