Mesmo diante da perfeição
e beleza dos elementos naturais, nunca estamos satisfeitos, sempre desejosos de
algo mais, num anseio insaciável por profundidade e novos sentidos atribuíveis
à vida: a imperfeição é o nosso “paraíso” e é nela – em suas arestas e rugosidades
– que haveremos de buscar o prazer e exercitar a nossa criatividade, transformando
os limões da amargura e dos dissabores em uma refrescante limonada.
Wallace bem percebe o
quanto é inquieta a mente humana, jamais propensa a descansar sobre os álveos
da simplicidade, pois que algo lhe incute a aspiração de escapar às configurações estáticas, indo mais além das aparências superficiais, com o presumível objetivo de
incorporar matizes sutis à sua experiência quotidiana – ainda que idiossincráticos
ou paradoxais.
J.A.R. – H.C.
Wallace Stevens
(1879-1955)
The Poems of Our
Climate
I
Clear water in a
brilliant bowl,
Pink and white
carnations. The light
In the room more like
a snowy air,
Reflecting snow. A
newly-fallen snow
At the end of winter
when afternoons return.
Pink and white
carnations – one desires
So much more than
that. The day itself
Is simplified: a bowl
of white,
Cold, a cold
porcelain, low and round,
With nothing more
than the carnations there.
II
Say even that this
complete simplicity
Stripped one of all
one’s torments, concealed
The evilly
compounded, vital I
And made it fresh in
a world of white,
A world of clear
water, brilliant-edged,
Still one would want
more, one would need more,
More than a world of
white and snowy scents.
III
There would still
remain the never-resting mind,
So that one would
want to escape, come back
To what had been so
long composed.
The imperfect is our
paradise.
Note that, in this
bitterness, delight,
Since the imperfect
is so hot in us,
Lies in flawed words
and stubborn sounds.
In: “Parts of a
World” (1942)
Buquê de Cravos
(Elena Klyan: artista
russa)
Os Poemas de Nosso
Clima
I
Água clara num jarro brilhante,
Cravos brancos e
rosados. A luz
Na sala é como ar de
neve,
Refletindo neve recém-caída,
Neve de fim de
inverno, quando as tardes voltam.
Cravos brancos e
rosados – porém se quer
Mais, muito mais que
isso. O próprio dia
Simplificou-se: um
jarro branco e frio
De porcelana fria, redondo
e baixo,
Contendo cravos só, e
nada mais.
II
Mesmo que esta
simplicidade completa
Pudesse afastar todo
tormento, ocultar
Esse composto
perverso e vital, o eu,
Fizesse dele coisa
nova num mundo
De água clara, branco
e nítido, ainda assim
Seria preferível,
necessário, mais,
Mais que um mundo de
neve e cheiros brancos.
III
Haveria ainda a
consciência inquieta:
Daí a vontade de
fugir, voltar
Ao que há tanto tempo
foi composto.
A imperfeição é nosso
paraíso.
E nesse travo amargo,
o prazer,
Já que o imperfeito
arde tanto em nós,
Está nas palavras
falhas, obstinadas.
Em: “Partes de um
Mundo” (1942)
Referência:
STEVENS, Wallace. The
poems of our climate / Os poemas de nosso clima. Tradução de Paulo Henriques
Britto. In: __________. O imperador do sorvete e outros poemas. Seleção,
tradução, apresentação e notas de Paulo Henriques Britto. 1. ed. rev. e ampl.
São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. Em inglês: p. 142 e 144; em
português: p. 143 e 145.
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