Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 11 de outubro de 2025

Wallace Stevens - Os Poemas de Nosso Clima

Mesmo diante da perfeição e beleza dos elementos naturais, nunca estamos satisfeitos, sempre desejosos de algo mais, num anseio insaciável por profundidade e novos sentidos atribuíveis à vida: a imperfeição é o nosso “paraíso” e é nela – em suas arestas e rugosidades – que haveremos de buscar o prazer e exercitar a nossa criatividade, transformando os limões da amargura e dos dissabores em uma refrescante limonada.

 

Wallace bem percebe o quanto é inquieta a mente humana, jamais propensa a descansar sobre os álveos da simplicidade, pois que algo lhe incute a aspiração de escapar às configurações estáticas, indo mais além das aparências superficiais, com o presumível objetivo de incorporar matizes sutis à sua experiência quotidiana – ainda que idiossincráticos ou paradoxais.

 

J.A.R. – H.C.

 

Wallace Stevens

(1879-1955)

 

The Poems of Our Climate

 

I

 

Clear water in a brilliant bowl,

Pink and white carnations. The light

In the room more like a snowy air,

Reflecting snow. A newly-fallen snow

At the end of winter when afternoons return.

Pink and white carnations – one desires

So much more than that. The day itself

Is simplified: a bowl of white,

Cold, a cold porcelain, low and round,

With nothing more than the carnations there.

 

II

 

Say even that this complete simplicity

Stripped one of all one’s torments, concealed

The evilly compounded, vital I

And made it fresh in a world of white,

A world of clear water, brilliant-edged,

Still one would want more, one would need more,

More than a world of white and snowy scents.

 

III

 

There would still remain the never-resting mind,

So that one would want to escape, come back

To what had been so long composed.

The imperfect is our paradise.

Note that, in this bitterness, delight,

Since the imperfect is so hot in us,

Lies in flawed words and stubborn sounds.

 

In: “Parts of a World” (1942)

 

Buquê de Cravos

(Elena Klyan: artista russa)

 

Os Poemas de Nosso Clima

 

I

 

Água clara num jarro brilhante,

Cravos brancos e rosados. A luz

Na sala é como ar de neve,

Refletindo neve recém-caída,

Neve de fim de inverno, quando as tardes voltam.

Cravos brancos e rosados – porém se quer

Mais, muito mais que isso. O próprio dia

Simplificou-se: um jarro branco e frio

De porcelana fria, redondo e baixo,

Contendo cravos só, e nada mais.

 

II

 

Mesmo que esta simplicidade completa

Pudesse afastar todo tormento, ocultar

Esse composto perverso e vital, o eu,

Fizesse dele coisa nova num mundo

De água clara, branco e nítido, ainda assim

Seria preferível, necessário, mais,

Mais que um mundo de neve e cheiros brancos.

 

III

 

Haveria ainda a consciência inquieta:

Daí a vontade de fugir, voltar

Ao que há tanto tempo foi composto.

A imperfeição é nosso paraíso.

E nesse travo amargo, o prazer,

Já que o imperfeito arde tanto em nós,

Está nas palavras falhas, obstinadas.

 

Em: “Partes de um Mundo” (1942)

 

Referência:

 

STEVENS, Wallace. The poems of our climate / Os poemas de nosso clima. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. O imperador do sorvete e outros poemas. Seleção, tradução, apresentação e notas de Paulo Henriques Britto. 1. ed. rev. e ampl. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. Em inglês: p. 142 e 144; em português: p. 143 e 145.

Nenhum comentário:

Postar um comentário