Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Anna Akhmátova - Terra natal

Apesar das dificuldades, das enfermidades e do sofrimento que o povo russo experimenta em sua pátria – os quais, porventura, levam-no a transmitir certa ambivalência, e até mesmo indiferença, em relação a ela –, a voz lírica expressa uma profunda conexão com a sua terra natal, que vai mais além do meramente material ou sentimental.

 

Para Akhmátova, a Rússia não se apresenta como um “paraíso prometido”; antes, o seu povo mantém uma relação pragmática com o solo onde pisa: esse sentido utilitário e prático, sem ceder espaço a idealizações românticas ou nostálgicas, sem glorificação ou exaltação ufanistas, não logra atenuar, nada obstante, o sentimento inquebrantável de identificação a nação, diga-se, a bem da verdade, por pertencimento em razão do destino, não por escolha consciente. Afinal, é o lugar onde todos haverão de descansar ao término da jornada!

 

J.A.R. – H.C.

 

Anna Akhmátova

(1889-1966) 


Родная земля

 

И в мире нет людей бесслезней,

Надменнее и проще нас.

                                     1922

 

В заветных ладанках не носим на груди,

О ней стихи навзрыд не сочиняем,

Наш горький сон она не бередит,

Не кажется обетованным раем.

Не делаем ее в душе своей

Предметом купли и продажи,

Хворая, бедствуя, немотствуя на ней,

О ней не вспоминаем даже.

Да, для нас это грязь на калошах,

Да, для нас это хруст на зубах.

И мы мелем, и месим, и крошим

Тот ни в чем не замешанный прах.

Но ложимся в нее и становимся ею,

Оттого и зовем так свободно своею.

 

1961

Ленинград

Больница в Гавани

 

Terra natal

(Paul Mitchell: artista inglês)

 

Terra natal

 

Não há no mundo seres tão sem lágrimas

nem tão simples e orgulhosos quanto nós. (*)

1922

 

Não a levamos no peito qual secreto escapulário

nem a cantamos em chorosos versos.

Nossos amargos sonhos ela não chega a perturbar

nem nos parece ser o paraíso prometido.

Não a convertemos, bem no fundo da alma,

em algo que se possa comprar ou vender.

Nem mesmo quando enferma, no desastre ou emudecida,

chegamos a nos lembrar dela.

Sim, para nós ela não passa de lama nas galochas,

sim, para nós ela não passa de poeira nos dentes.

E a amassamos, moemos, trituramos,

como se não nos misturássemos a seu pó.

Mas é nela que nos deitaremos, nela nos converteremos,

e é por isso que tão livremente a chamamos “nossa”.

 

1961

Leningrado

No hospital perto do porto

 

Nota:

 

(*). A epígrafe é da lavra da própria poetisa, pois que diz respeito a versos contidos em “Anno Domini MCMXXI” (Petrogrado, 1922).

 

Referências:

 

Em Russo

 

Ахматова, Анна. Родная земля. In: __________. Стихотворения и поэмы. Вступительная статья А. А. Суркова. Составление, подготовка текста и примечания В. М. Жирмунского. Ленинград, РО: Советский писатель, 1976. сc. 263-264.

 

Em Português

 

AKHMÁTOVA, Anna. Terra natal. Tradução de Lauro Machado Coelho. In: __________. Antologia poética. Seleção, tradução do russo, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 112. (Coleção L&PM Pocket; v. 751).

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