Apesar das dificuldades,
das enfermidades e do sofrimento que o povo russo experimenta em sua pátria – os
quais, porventura, levam-no a transmitir certa ambivalência, e até mesmo
indiferença, em relação a ela –, a voz lírica expressa uma profunda conexão com
a sua terra natal, que vai mais além do meramente material ou sentimental.
Para Akhmátova, a
Rússia não se apresenta como um “paraíso prometido”; antes, o seu povo mantém
uma relação pragmática com o solo onde pisa: esse sentido utilitário e prático,
sem ceder espaço a idealizações românticas ou nostálgicas, sem glorificação ou
exaltação ufanistas, não logra atenuar, nada obstante, o sentimento inquebrantável
de identificação a nação, diga-se, a bem da verdade, por pertencimento em razão
do destino, não por escolha consciente. Afinal, é o lugar onde todos haverão de
descansar ao término da jornada!
J.A.R. – H.C.
Anna Akhmátova
(1889-1966)
Родная земля
И в мире нет людей бесслезней,
Надменнее и проще нас.
1922
В заветных ладанках не носим на груди,
О ней стихи навзрыд не сочиняем,
Наш горький сон она не бередит,
Не кажется обетованным раем.
Не делаем ее в душе своей
Предметом купли и продажи,
Хворая, бедствуя, немотствуя на ней,
О ней не вспоминаем даже.
Да, для нас это грязь на калошах,
Да, для нас это хруст на зубах.
И мы мелем, и месим, и крошим
Тот ни в чем не замешанный прах.
Но ложимся в нее и становимся ею,
Оттого и зовем так свободно – своею.
1961
Ленинград
Больница в Гавани
Terra natal
(Paul Mitchell:
artista inglês)
Terra natal
Não há no mundo seres
tão sem lágrimas
nem tão simples e
orgulhosos quanto nós. (*)
1922
Não a levamos no
peito qual secreto escapulário
nem a cantamos em
chorosos versos.
Nossos amargos sonhos
ela não chega a perturbar
nem nos parece ser o
paraíso prometido.
Não a convertemos,
bem no fundo da alma,
em algo que se possa
comprar ou vender.
Nem mesmo quando
enferma, no desastre ou emudecida,
chegamos a nos
lembrar dela.
Sim, para nós ela não
passa de lama nas galochas,
sim, para nós ela não
passa de poeira nos dentes.
E a amassamos,
moemos, trituramos,
como se não nos
misturássemos a seu pó.
Mas é nela que nos
deitaremos, nela nos converteremos,
e é por isso que tão
livremente a chamamos “nossa”.
1961
Leningrado
No hospital perto do
porto
Nota:
(*). A epígrafe é da lavra da própria poetisa, pois que diz respeito a
versos contidos em “Anno Domini MCMXXI” (Petrogrado, 1922).
Referências:
Em Russo
Ахматова, Анна. Родная земля. In: __________. Стихотворения
и поэмы. Вступительная статья А. А. Суркова. Составление, подготовка текста
и примечания В. М. Жирмунского. Ленинград, РО: Советский писатель, 1976. сc. 263-264.
Em Português
AKHMÁTOVA, Anna. Terra
natal. Tradução de Lauro Machado Coelho. In: __________. Antologia poética.
Seleção, tradução do russo, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho. Porto
Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 112. (Coleção L&PM Pocket; v. 751).
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