Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Tahar Ben Jelloun - Eu era profeta da sabedoria e da verdade

O poeta marroquino incursiona por uma exploração poética sobre a transformação pessoal, a perda de autoridade e de reconhecimento, bem assim o estado de loucura de que apossado o sujeito lírico segundo a perspectiva dos pares, muito embora se perceba com clareza que o seu discurso seja um lúcido apelo por atenção e empatia, por conexão e compreensão.

 

O falante se identifica emocionalmente com figuras femininas que representam a beleza e a benevolência, sitiado num “cemitério de terracota” onde vão dar todos os homens que incorreram em “loucura” por atos de bondade, ou que tiveram suas chamas extintas por “doenças” decorrentes da prática do amor e da razão.

 

Poder-se-ia inferir, deveras, que seriam eles (e elas, por que não?!) as vozes que teimam em se manter em estado de cordura, clamando por paz e concórdia em territórios conflagrados, mas que terminam insensivelmente silenciadas e apartadas à margem da História, caindo num ermo de silêncio e de tristeza que se amplia com a sucessão dos dias.

 

J.A.R. – H.C.

 

Tahar Ben Jelloun

(n. 1944)

 

J’étais prophète de la sagesse et de la vérité

 

J’étais prophète de la sagesse et de la vérité. Je possédais

les clés de la ville. Maître des mers et des pêcheurs.

Je suis aujourd’hui un cimetière en terre cuite. Le plus

beau des cimetières où vient se dénouer la folie, où dorment

des hommes fous dc bonté, malades par amour, malades

de raison.

 

Je suis le fou d’Aïcha

plus belle que la lune

pure comme ma folie

on a eu des enfants morts avec les fleurs

ils sont là

suspendus à ma barbe

je suis le fou de Rahma

bonne comme le pain

fertile comme la terre

oiseau dans mes yeux

ils disent que je suis fou

ce n’est pas vrai

je crie je pleure et me tais

je danse sur la flamme

et je parle aux morts

je suis une clé qui tremble

un livre ouvert pour les enfants qui ont peur

je suis le cimetière des pauvres

mais je ne suis pas une apparition

on dit

depuis que j’ai dormi entre les seins de Rouhania

il est fils de la solitude

tu sais

quand Nachoude, le vieux pêcheur, est mort, emporté

par l’écume grise

on lui fit des funérailles grandioses

les chats ont pleuré

la mer se retira du chant et la lune veilla longtemps sa tombe

moi, je suis le sommeil coupable et l’exil des chiens

j’ai l’amitié des chats et des pauvres

toutes mes épouses ont été infidèles

sombrées dans une folie froide

des images et non des âmes

ils disent que je suis fou

alors que je suis seul

un peu triste

écoutez-moi

je vais vous raconter...

je lui ai donné une chèvre...

non

je ne suis pas fou

donne-moi une cigarette et je continue l’histoire...

 

O louco divino

(Ilustração de Lee Baarslag para “Drukpa Kunley:

o louco divino, sua sublime vida e cantos”, de Keith Dowman)

 

Eu era profeta da sabedoria e da verdade

 

Eu era profeta da sabedoria e da verdade. Eu possuía

as chaves da cidade. Mestre dos mares e dos pescadores.

Hoje eu sou um cemitério de terracota. O mais belo

dos cemitérios onde a loucura vem se desatar, onde dormem

homens loucos de bondade, doentes de amor, doentes

de razão.

 

Eu sou o louco de Aïcha

mais bela que a lua

pura como minha loucura

tivemos filhos que morreram com as flores

cies estilo lá

suspensos em minha barba

sou o louco de Rahma

boa como o pão

fértil como a terra

pássaro nos meus olhos

dizem que sou louco

não é verdade

eu grito, eu choro e me calo

eu danço sobre a chama

e falo com os mortos

sou uma chave que treme

um livro aberto para as crianças que têm medo

eu sou o cemitério dos pobres

mas não sou uma aparição

dizem

desde que dormi entre os seios de Rouhania

ele é filho da solidão

sabe

quando Nachoude, o velho pescador, morreu, levado

pela espuma cinza

fizemos um funeral grandioso

os gatos choraram

o mar se retirou do canto e a lua velou longamente seu túmulo

eu sou o sono culpado e o exílio dos cachorros

tenho a amizade dos gatos e dos pobres

todas minhas esposas foram infiéis

afundadas em uma loucura fria

imagens e não almas

dizem que sou louco

mas sou apenas sozinho

um pouco triste

me escute

vou te contar...

eu dei a ele uma cabra...

não

não sou louco

me dê um cigarro e eu continuo a história...

 

Referência:

 

JELLOUN, Tahar Ben. J’étais prophète de la sagesse et de la vérité / Eu era profeta da sabedoria e da verdade. Tradução de Cláudia Falluh Balduino Ferreira. In: __________. As cicatrizes de Atlas. Seleção, tradução e introdução de Cláudia Falluh Balduino Ferreira. Brasília, DF: Editora UnB, 2003. Em francês: p. 32 e 34; em português: p. 33 e 35. (Coleção ‘Poetas do Mundo’)

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