O poeta marroquino
incursiona por uma exploração poética sobre a transformação pessoal, a perda de autoridade e de reconhecimento, bem assim o estado de loucura de que apossado o sujeito
lírico segundo a perspectiva dos pares, muito embora se perceba com clareza que
o seu discurso seja um lúcido apelo por atenção e empatia, por conexão e
compreensão.
O falante se
identifica emocionalmente com figuras femininas que representam a beleza e a benevolência,
sitiado num “cemitério de terracota” onde vão dar todos os homens que
incorreram em “loucura” por atos de bondade, ou que tiveram suas chamas extintas
por “doenças” decorrentes da prática do amor e da razão.
Poder-se-ia inferir,
deveras, que seriam eles (e elas, por que não?!) as vozes que teimam em se manter
em estado de cordura, clamando por paz e concórdia em territórios conflagrados,
mas que terminam insensivelmente silenciadas e apartadas à margem da História,
caindo num ermo de silêncio e de tristeza que se amplia com a sucessão dos
dias.
J.A.R. – H.C.
Tahar Ben Jelloun
(n. 1944)
J’étais prophète de
la sagesse et de la vérité
J’étais prophète de la sagesse et de la vérité. Je possédais
les clés de la ville.
Maître des mers et des pêcheurs.
Je suis aujourd’hui
un cimetière en terre cuite. Le plus
beau des cimetières
où vient se dénouer la folie, où dorment
des hommes fous dc
bonté, malades par amour, malades
de raison.
Je suis le fou
d’Aïcha
plus belle que la
lune
pure comme ma folie
on a eu des enfants
morts avec les fleurs
ils sont là
suspendus à ma barbe
je suis le fou de Rahma
bonne comme le pain
fertile comme la
terre
oiseau dans mes yeux
ils disent que je
suis fou
ce n’est pas vrai
je crie je pleure et
me tais
je danse sur la
flamme
et je parle aux morts
je suis une clé qui
tremble
un livre ouvert pour
les enfants qui ont peur
je suis le cimetière
des pauvres
mais je ne suis pas
une apparition
on dit
depuis que j’ai dormi
entre les seins de Rouhania
il est fils de la
solitude
tu sais
quand Nachoude, le
vieux pêcheur, est mort, emporté
par l’écume grise
on lui fit des
funérailles grandioses
les chats ont pleuré
la mer se retira du
chant et la lune veilla longtemps sa tombe
moi, je suis le
sommeil coupable et l’exil des chiens
j’ai l’amitié des
chats et des pauvres
toutes mes épouses
ont été infidèles
sombrées dans une
folie froide
des images et non des
âmes
ils disent que je
suis fou
alors que je suis
seul
un peu triste
écoutez-moi
je vais vous
raconter...
je lui ai donné une
chèvre...
non
je ne suis pas fou
donne-moi une
cigarette et je continue l’histoire...
O louco divino
(Ilustração de Lee
Baarslag para “Drukpa Kunley:
o louco divino, sua sublime
vida e cantos”, de Keith Dowman)
Eu era profeta da
sabedoria e da verdade
Eu era profeta da sabedoria e da verdade. Eu possuía
as chaves da cidade.
Mestre dos mares e dos pescadores.
Hoje eu sou um
cemitério de terracota. O mais belo
dos cemitérios onde a
loucura vem se desatar, onde dormem
homens loucos de
bondade, doentes de amor, doentes
de razão.
Eu sou o louco de Aïcha
mais bela que a lua
pura como minha
loucura
tivemos filhos que
morreram com as flores
cies estilo lá
suspensos em minha
barba
sou o louco de Rahma
boa como o pão
fértil como a terra
pássaro nos meus
olhos
dizem que sou louco
não é verdade
eu grito, eu choro e
me calo
eu danço sobre a
chama
e falo com os mortos
sou uma chave que
treme
um livro aberto para
as crianças que têm medo
eu sou o cemitério
dos pobres
mas não sou uma
aparição
dizem
desde que dormi entre
os seios de Rouhania
ele é filho da
solidão
sabe
quando Nachoude, o
velho pescador, morreu, levado
pela espuma cinza
fizemos um funeral
grandioso
os gatos choraram
o mar se retirou do
canto e a lua velou longamente seu túmulo
eu sou o sono culpado
e o exílio dos cachorros
tenho a amizade dos
gatos e dos pobres
todas minhas esposas
foram infiéis
afundadas em uma
loucura fria
imagens e não almas
dizem que sou louco
mas sou apenas
sozinho
um pouco triste
me escute
vou te contar...
eu dei a ele uma
cabra...
não
não sou louco
me dê um cigarro e eu
continuo a história...
Referência:
JELLOUN, Tahar Ben. J’étais prophète de la sagesse et de la vérité / Eu era profeta da sabedoria e da verdade. Tradução de Cláudia Falluh Balduino Ferreira. In: __________. As cicatrizes de Atlas. Seleção, tradução e introdução de Cláudia Falluh Balduino Ferreira. Brasília, DF: Editora UnB, 2003. Em francês: p. 32 e 34; em português: p. 33 e 35. (Coleção ‘Poetas do Mundo’)
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