Darwish expressa nestes
versos uma profunda conexão com a terra e a história palestinas, suas raízes e
tradições, num trânsito mental que vai de alguma resistência ou indiferença
inicial até o respeito e a reverência induzidos por um sentido de pertencimento
(ainda que o poeta possa estar falando a partir do exílio!).
Uma leitura mais
abrangente do poema suscita no leitor a ideia de que o “poço” do título seja um
ponto de convergência para as diversas dimensões da experiência humana: a
psicológica, a histórica, a existencial e a espiritual. Afinal, as linhas de
força que atravessam os versos imergem num décor metafórico além do qual o
falante espera transcender o terrenal, com o objetivo de escapar às limitações
físicas e mentais até um grau mais elevado de aprimoramento espiritual, alcançando
assim sentido e propósito para os seus dias ou mesmo mantendo acesa alguma esperança
de redenção.
O poema culmina com
uma súplica de paz para o “desconhecido no poço”, aludindo, quiçá, aos conterrâneos
mortos no conflito israelo-palestino, num ato retributivo a todos aqueles que
têm sido assassinados na “terra da paz”.
J.A.R. – H.C.
Mahmoud Darwish
(1941-2008)
I Didn’t Apologize to
the Well
I didn’t apologize to
the well when I passed the well,
I borrowed from the
ancient pine tree a cloud
and squeezed it like
an orange, then waited for a gazelle
white and legendary.
And I ordered my heart to be patient:
Be neutral as if you
were not of me! Right here
the kind shepherds
stood on air and evolved
their flutes, then persuaded
the mountain quail toward
the snare. And right
here I saddled a horse for flying toward
my planets, then
flew. And right here the priestess
told me: Beware of
the asphalt road and the cars
and walk upon your
exhalation. Right here
I slackened my shadow
and waited, I picked the tiniest
rock and stayed up
late. I broke the myth and I broke.
And I circled the
well until I flew from myself
to what isn’t of it.
A deep voice shouted at me:
This grave isn’t your
grave. So I apologized.
I read verses from
the wise holy book, and said
to the unknown one in
the well: Salaam upon you the day
you were killed in
the land of peace, and the day you rise
from the darkness of
the well alive!
In: “Don’t Apologize
for What You’ve Done” (2003)
O velho poço
(Constantine Maleas:
pintor grego)
Não Me Desculpei com
o Poço
Não me desculpei com
o poço quando por ele passei,
pedi emprestada uma
nuvem ao velho pinheiro,
e espremi-a como a
uma laranja, depois esperei por uma lendária
gazela branca. E
ordenei ao meu coração para ser paciente:
“Sê neutro como se
não fosses meu!” Justo aqui
os bons pastores exsurgiram
no ar e tocaram
suas flautas, atraindo
as codornizes da montanha
às armadilhas. Aqui
mesmo selei um cavalo para voar
até meus planetas, e
alcei voo. E bem aqui a sacerdotisa
me disse: cuidado com
o asfalto e os veículos
e caminha sobre a tua
exalação. Este é o exato lugar
onde relaxei a minha
sombra e esperei, escolhi a mais pequena
pedra e fiquei
acordado até tarde. Quebrei o mito e me quebrei.
Dei voltas ao redor
do poço, até que voei de mim mesmo
para o que não lhe
pertence. Uma voz grave gritou-me:
“Este túmulo não te
pertence”, pelo que pedi-lhe desculpas.
Li versículos do sábio
livro sagrado (1) e disse
ao desconhecido no
poço: “Salaam (2) sobre ti no dia
em que foste morto na
terra da paz, e no dia em que saíres
vivo da escuridão do
poço!”
Em: “Não Te Desculpes
pelo que Fizeste” (2003)
Notas:
(1). Referência ao Alcorão, livro sagrado da religião islâmica;
(2). Salaam: saudação árabe que significa “A paz de Deus esteja contigo”.
Referência:
DARWISH, Mahmoud. I didn’t
apologize to the well. Translated from Arabic to English by Fady Joudah. In:
__________. The butterfly’s burden: poems. A bilingual edition: Arabic x
English. Port Townsend, WA: Copper Canyon Press, 2007. p. 197.
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