Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Thomas Merton - O poeta a seu livro

Este poema de Merton aborda a tensão entre o labor do escritor, o sacrifício pessoal a um propósito religioso e a busca por um significado espiritual num mundo assolado pelo caos: o monge trapista oscila entre considerar o seu livro uma extensão de sua própria cruz  um sacrifício em obediência a Cristo , e vê-lo como não mais do que uma espécie de fardo que lhe roubou tempo e energia.

 

O sujeito lírico teme que a sua obra, em vez de o aproximar de uma eternidade pura e cristalina, obscureça o seu caminho e o leve a uma dupla perda. Nada obstante, espera que o seu livro encontre um lugar de acolhida neste mundo secularizado – ruidoso e sem Cristo –, provando de algum modo o seu valor junto àqueles capturados pela “roda da infelicidade”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Thomas Merton

(1915-1968)

 

The poet, to his book

 

Now is the day of our farewell in fear, lean pages:

And shall I leave some blessing on the half of me you

have devoured?

Were you, in clean obedience, my Cross,

Sent to exchange my life for Christ’s in labor?

How shall the seeds upon those furrowed papers flower?

Or have I only bled to sow you full of stones and thorns,

Feeding my minutes to my own dead will?

 

Or will your little shadow fatten in my life’s last hour

And darken for a space my gate to white eternity?

 

And will I wear you once again, in Purgatory,

Around my mad ribs like a shirt of flame?

Or bear you on my shoulders for a sorry jubilee

My Sinbad’s burden?

Is that the way you’d make me both-ways’ loser,

Paying the prayers and joys you stole of me,

You thirsty traitor, in my Trappist mornings!

 

Go, stubborn talker,

Find you a station on the loud world’s corners,

And try there, (if your hands be clean) your length of patience:

Use there the rhythms that upset my silences,

And spend your pennyworth of prayer

There in the clamor of the Christless avenues:

 

And try to ransom some one prisoner

Out of those walls of traffic, out of the wheels

of that unhappiness!

 

In: “Figures for an Apocalypse” (1947)

 

Homem com um livro

(Parmigianino: pintor italiano)

 

O poeta a seu livro

 

Minguadas páginas, este é o dia tão temido de nossa despedida:

Restará alguma benção nessa metade de mim que

haveis devorado?

Fostes vós, em puro voto de obediência, a Cruz

Que me foi enviada para confiar minha vida ao serviço de Cristo?

Como florescerão as sementes lançadas nos sulcos destes papéis?

Ou apenas terei sangrado para vos semear cheias de pedras

e espinhos,

Consumindo-me os minutos com minha própria e infecunda

vontade?

 

Ou será que vossa pequena sombra se expandirá em minha

derradeira hora,

Turvando por instantes o meu acesso à radiosa eternidade?

 

Haverei de vos levar uma vez mais, no Purgatório,

Ao redor de minhas exasperadas costelas, como uma jaqueta

de fogo?

Ou vos carregarei sobre os ombros para um triste jubileu,

Como se Simbad fosse a suportar um fardo? (*)

 

É assim que me converteríeis em duplo perdedor –

Vós, traidor sedento –, premiando-vos com as orações e alegrias

Que me roubastes em minhas manhãs trapistas!

 

Ide, falastrão obstinado,

Encontrai uma estação nas esquinas deste mundo barulhento,

E lá submetei à prova (se tiverdes limpas as mãos) o alcance

de vossa paciência:

Lá utilizai os ritmos que perturbam os meus silêncios;

Despendei o vosso cêntimo de reza

Entre os clamores das avenidas privadas de Cristo:

 

E tentai resgatar algum prisioneiro

Preso àquelas colunas do tráfego, para fora das rodas de tanta

infelicidade!

 

Em: “Figuras para um apocalipse” (1947)

 

Nota:

 

(*). Referência a Simbad, o Marujo, o famoso personagem das histórias das “Mil e Uma Noites”, sempre disposto a carregar fardos muito pesados e estranhos durante suas épicas viagens marítimas; alguns desses “fardos” incluem estatuetas gigantes e ocas, cheias de joias, animais exóticos e assim por diante.

 

Referência:

 

MERTON, Thomas. The poet, to his book. In: __________. The collected poems of Thomas Merton. 6th print. New York, NY: New Directions, 1980. p. 192-193.

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