Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Cherríe Moraga - A Soldadora

Moraga, poetisa feminista e ativista mexicano-estadunidense, rechaçando prontamente as opções de transformação individual e coletiva instantâneas – que lhe parecem fantasiosas ou mágicas –, põe na elocução da voz lírica muito do que se passa em sua própria vida de luta pelos direitos à igualdade de tratamento na esfera privada e pública, com o claro objetivo de criar uma realidade mais sólida e equitativa.

 

Ela abraça o processo dos embates identitários como se uma soldadora fosse – prática, pé no chão, autodeterminada –, agora muito mais interessada em seus próprios assuntos e interesses, não nos dos outros, o que denota a assunção do poder de modelar a sua vida e a dos pares “em suas próprias mãos”.


Afinal, a reforma pessoal ou social requer confrontação, intensidade e esforço para se fazer frente às “chispas fora de controle”, sem que se deixe de reconhecer que, a despeito de todos compartilharmos uma humanidade comum, a capacidade de reorientação ao sentido tencionado varia de pessoa para pessoa, de grupo para grupo, a depender do estágio de empoderamento em que se encontrem.

 

J.A.R. – H.C.

 

Cherríe Moraga

(n. 1952)

 

The Welder

 

I am a welder.

Not an alchemist.

I am interested in the blend

of common elements to make

a common thing.

 

No magic here.

Only the heat of my desire to fuse

what I already know

exists. Is possible.

 

We plead to each other,

we all come from the same rock

we all come from the same rock

ignoring the fact that we bend

at different temperatures

that each of us is malleable

up to a point.

 

Yes, fusion is possible

but only if things get hot enough –

all else is temporary adhesion,

patching up.

 

It is the intimacy of steel melting

into steel, the fire of your individual

passion to take hold of ourselves

that makes sculpture of your lives,

builds buildings.

 

And I am not talking about skyscrapers,

merely structures that can support us

of trembling.

 

For too long a time

the heat of my heavy hands

has been smoldering

in the pockets of other

people’s business –

they need oxygen to make fire.

 

I am now

coming up for air.

Yes, I am

picking up the torch.

 

I am the welder.

I understand the capacity of heat

to change the shape of things.

I am suited to work

within the realm of sparks

out of control.

 

I am the welder.

I am taking the power

into my own hands.

 

Solda

(Patrick Zgarrick: pintor norte-americano)

 

A Soldadora

 

Sou uma soldadora.

Não uma alquimista.

Interessa-me a mescla

de elementos comuns para fazer

uma coisa comum.

 

Não há magia nesse processo.

Apenas o calor do meu desejo de fundir

o que já sei que

existe. Que é possível.

 

Declaramo-nos uns aos outros,

todos viemos da mesma rocha

todos viemos da mesma rocha

ignorando o fato de que nos vergamos

a diferentes temperaturas,

de que cada um de nós é maleável

até certo ponto.

 

Sim, a fusão é possível,

mas só se as coisas aquecerem o suficiente –

tudo mais é adesão temporária,

remendos.

 

É a intimidade do aço a derreter-se

no aço, o fogo de todas as paixões

individuais para tomar posse de si mesmas,

que esculpe a forma dessas vidas,

que constrói edifícios.

 

E não estou falando de arranha-céus,

senão de estruturas que nos possibilitam

resistir a tremores.

 

Há muito tempo

o calor de minhas mãos pesadas

segue em estado de latência

nas algibeiras dos negócios alheios –

necessitando de oxigênio para avivar o fogo.

 

Agora estou

saindo para tomar um ar.

Sim, estou

empunhando o maçarico.

 

Eu sou a soldadora.

Sei da capacidade que tem o calor

para alterar a forma das coisas.

Estou apta para trabalhar

no reino das faíscas

fora de controle.

 

Eu sou a soldadora.

Eis que assumo o poder

em minhas próprias mãos.

 

Referência:

 

MORAGA, Cherríe. The welder. In: MORAGA, Cherríe; ANZALDÚA, Gloria (Eds.). This bridge called my back: writings by radical women of color. 4th ed. Albany, NY: State University of New York Press (SUNY Press), 2015. p. 219-220.

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