Para um dia ordinário,
a perda extraordinária: Pasternak oferece este canto fúnebre à memória do poeta
e dramaturgo russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930) – homem ainda jovem e
talentoso –, cuja morte por suicídio a todos consternou, entre incrédulos e
resignados.
Em paralelo às
imagens suscitadas pela linguagem poética, Pasternak captura o sentido irreparável
de tal perda, dando-nos um testemunho comovedor da amizade e respeito que
sentia por seu colega: crê o autor que, pelo poder da arte desenvolvida por
Maiakóvski, seu nome continuará a inspirar as gerações futuras, com fundamento no
impacto revolucionário do legado que deixou, transpassado pela rebeldia de seu
gênio.
J.A.R. – H.C.
Boris Pasternak
(1890-1960)
Смерть Поэта
Не верили, считали - бредни,
Но узнавали от двоих,
Троих, от всех. Равнялись в строку
Остановившегося срока
Дома чиновниц и купчих,
Дворы, деревья, и на них
Грачи, в чаду от солнцепека
Разгоряченно на грачих
Кричавшие, чтоб дуры впредь не
Совались в грех, да будь он лих.
Лишь бы на лицах влажный сдвиг,
Как в складках порванного бредня.
Был день, безвредный день, безвредней
Десятка прежних дней твоих.
Толпились, выстроясь в передней,
Как выстрел выстроил бы их.
Как, сплющив, выплеснул из стока б
Лещей и щуку минный вспых
Шутих, заложенных в осоку,
Как вздох пластов нехолостых.
Ты спал, постлав постель на сплетне,
Спал и, оттрепетав, был тих,-
Красивый, двадцатидвухлетний.
Как предсказал твой тетраптих.
Ты спал, прижав к подушке щеку,
Спал,- со всех ног, со всех лодыг
Врезаясь вновь и вновь с наскоку
В разряд преданий молодых.
Ты в них врезался тем заметней,
Что их одним прыжком достиг.
Твой выстрел был подобен Этне
В предгорьи трусов и трусих.
1930
Vladimir Maiakóvski
(1893-1930)
A Morte do Poeta
Não queríamos crer –
delírio!
Mas dois, três, todos
incessantes,
O repetiam. Ajustados
no trilho
Do instante,
estacavam os domicílios
De burocratas e
comerciantes.
Áreas e árvores, e no
alto sobre os galhos
Corvos no fumo do sol
fogo
Ralhavam com
esposas-gralhas:
Que não metêssemos
nariz no pecado
As tolas! Todas ao
diabo!
Mas nos rostos, um
úmido descomposto
Como nas pregas de
uma rede rota.
Um dia inócuo,
inócuo, mais inócuo
Que uma dezena de
teus dias passados.
No vestíbulo, a turba
se coloca
Em fila, premida por
um disparo.
Como um jorro de
lúcios e de bremas
Achatados, cuspidos
das maremas
Pelo estouro de um
petardo entre caniços,
Como um suspiro de
tiros não fictícios.
O leito armado sobre
a maledicência,
Você dormia, agora
plácido, em paz.
Vinte e dois anos,
belo, e a pré-ciência
De tudo isto em teu poema
quadriparte. (*)
Você dormia, rosto
preso ao travesseiro,
Dormia, a plenas
pernas, a plenos tornozelos,
Penetrando de novo,
de um só golpe,
No fabulário das
legendas jovens.
E penetrando da
maneira mais direta
Porque nele você
entrava de um salto.
Teu disparo parecia
um Etna
Sobre as encostas de
covardes e fracos.
1930
Nota do Tradutor
(Haroldo de Campos):
(*). Alusão ao poema “A
Nuvem de Calças”, composto de um prólogo e quatro partes, escrito por Maiakóvski
em 1915, quando ele tinha 22 anos.
Referências:
Em Russo
Пастернак, Борис. Смерть поэта. Disponível
neste
endereço. Acesso em: 6 out. 2025.
Em Português
PASTERNAK, Boris. A
morte do poeta. Tradução de Haroldo de Campos. In: CAMPOS, Augusto de; CAMPOS,
Haroldo de; SCHNAIDERMAN, Boris (Orgs. e Trads.). Poesia moderna russa. 6.
ed. rev. e ampl. São Paulo, SP: Perspectiva, 2001. p. 200-201. (Coleção
‘Signos’; v. 33)
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