O poeta discorre
sobre a natureza da linguagem enquanto forma de criação artística, ou melhor, sobre
o poder multifacético das palavras para veicular significados, emoções e
pensamentos – motivo pelo qual o poema também pode ser apreciado como uma
celebração do labor poético, haja vista que se deixa apreender nos entremeios
de sua própria feição metalinguística.
Há nas palavras
sempre um quê de dual, pairando entre o sublime e o mundano, a fragilidade e a
força, a iluminação e a ocultação da realidade, a construção e a destruição, o
amor e o ódio, a vida e a morte: é assim porque enquanto umas têm o poder de edificar,
consolar e unir, outras podem ferir, humilhar e dividir.
São elas, ademais, transmissoras
da memória, refletindo, por conseguinte, o que sucede em nossas experiências no
mundo – fechando o círculo, sob tal contexto, da interação dinâmica na qual tanto
espelham quanto soerguem as estruturas em que todos estamos imbricados, autênticos
signos através dos quais erigimos nossas identidades e aditamos “novos mundos
ao mundo”.
J.A.R. – H.C.
Eugénio de Andrade
(1923-2005)
As palavras
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias
de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparados,
inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos
lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas
puras?
Em: “Coração do dia”
(1958)
Coral e Conchas
(Paolo Porpora: pintor
italiano)
Referência:
ANDRADE, Eugénio de.
As palavras. In: __________. Forbideen words: selected poetry of Eugénio
de Andrade. Translated by Alexis Levitin. A bilingual edition: Portuguese x
English. 1st publ. New York, NY: New Directions, 2003. p. 46.
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