A partir do título
atribuído por Queirós ao poema – Lianor –, com a mesma grafia empregada por Camões
em “Descalça
Vai Para a Fonte”, podem-se criar paralelos intertextuais entre os retratos
por eles criados para a aludida figura feminina, naquilo que procuram capturar
aspectos de vulnerabilidade e beleza, de tensão entre fragilidade e força, até
mesmo de submissão a padrões sociais, embora em ambientes bastante distintos.
Enquanto Queirós nos
oferece uma visão moderna e íntima, explorando um momento de introspecção e
autocuidado no bulício da rotina urbana, dentro do recinto de um elevador,
Camões celebra a idealização da beleza feminina na natureza e na tradição, construindo
uma imagem deveras pictórica da mulher, “aureolada” por uma graça quase divina.
Distam, no entanto, os
poemas quanto ao motivo da insegurança que se vê na musa: Camões o associa,
contextualmente, ao fato de ela estar em um ambiente natural, ao passo que, em
Queirós, a insegurança tem um perfil mais psicológico, talvez a refletir as
preocupações e os anseios internos nela suscitados pelo frenesi do quotidiano
contemporâneo.
Nota-se, desse modo,
a conexão parafrástica entre os poemas de Queirós e de Camões, tal como se
observa, semelhantemente, no âmbito da Literatura Brasileira, entre os poemas “Teresa”,
de Manuel Bandeira, “O adeus de Teresa”, de Castro Alves, e “Teresa”, de
Álvares de Azevedo.
J.A.R. – H.C.
João Miguel Queirós
(n. 1969)
Lianor
Hoje no elevador
descobri o seu nome.
No cartão pessoal,
que retirou com cuidado
para não soltar os
fios da camisola de lã,
estava escrito à
máquina Lianor.
Leonor no espelho do
elevador vê pelo canto
do olho se está
arranjada.
Ela sabe que por
detrás da orelha já não tem
uma flor selvagem, e
por isso
tem espaço para
arrumar o seu cabelo com a mão,
como se o escondesse.
Repara nos seus dedos
riscados pela esferográfica
que deixou arrumada
sobre a secretária.
Está bonita na sua insegurança.
Leonor é agora tão
verdadeira nessa impureza
frágil como
a água canalizada,
que escondida na parede
do prédio
só é relembrada
quando falta na torneira.
Leonor em vez de se
colocar a meio do elevador
vazio prefere pôr-se
aconchegada a um
canto, tal como faz à noite
antes de adormecer,
de modo a não sentir
o resto da cama fria.
Relance de uma mulher
no elevador
(Michael Birawer:
artista norte-americano)
Referência:
QUEIRÓS, João Miguel. Lianor. In: FREITAS, M. (org.). Poetas sem qualidades. Lisboa, PT: Averno, 2002. p. 63.
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