Yehuda faz de seu
poema uma meditação sobre a natureza humana, a história – especialmente à que
diz respeito ao Oriente Médio – e o desejo de paz em meio ao conflito, o qual, diga-se
de passagem, mantém-se aquecido naquela região até os presentes dias, sobretudo
em razão da interminável contenda envolvendo a ocupação de terras palestinas por
israelenses.
O poeta emprega a
metáfora de pedras sendo lançadas a partir de diversos ângulos e por todos os
grupos – semitas, antissemitas, justos, pecadores, gente de diferentes campos e
crenças –, e não só, como também Deus e outras figuras bíblicas do mesmo modo
retratadas.
Tais pedras – nunca intactas
ou inocentes naquelas paragens – são dotadas de formas antropomórficas, como cabeças,
bocas e olhos, ressoando com a dor e o sofrimento humano, num ciclo fútil e saturante
de violência, perdendo de vista o respeito à diversidade das línguas e das culturas
dos povos ali assentes.
O poema culmina com
uma espécie de súplica pela paz, alicerçada na esperança de se encontrar pedras
que jamais hajam sido utilizadas para fomentar e manter o conflito, apontando
para um futuro em que, manifestamente, se tornem símbolos de construção e não de
destruição.
J.A.R. – H.C.
Yehuda Amichai
(1924-2000)
Poema temporário do
meu tempo
A escrita hebraica e
a escrita arábica vão do leste
para o oeste,
A escrita latina, do oeste
para o leste.
Línguas são como
gatos:
Não se deve alisar o
pelo em direção contrária.
As nuvens vêm do mar,
o vento quente do deserto,
As árvores dobram-se
ao vento,
E pedras voam dos
quatro ventos
Aos quatro ventos.
Eles jogam pedras,
Jogam esta terra, uns
nos outros,
Mas a terra sempre
cai de volta à terra.
Jogam a terra, querem
livrar-se dela,
Suas pedras, seu
solo, mas não podem se livrar dela.
Jogam pedras, jogam
pedras em mim
Em 1936, 1938, 1948,
1988,
Semitas jogam em
semitas e antissemitas
em antissemitas,
Homens maus jogam e
justos jogam,
Pecadores jogam e
tentadores jogam,
Geólogos jogam e
teólogos jogam,
Arqueólogos jogam e
arqui-hooligans jogam,
Rins jogam pedras e
bexigas jogam,
Pedras-cabeça e pedras-fronte e o
coração
de uma pedra,
Pedras em forma de
boca aos gritos
E pedras que cabem
nos olhos
Como um par de
óculos,
O passado joga pedras
no futuro,
E todas elas caem no
presente.
Pedras que choram e
pedras risonhas de cascalho,
Até́ Deus na Bíblia
jogou pedras,
Até́ o Urim e o Tumim
foram jogados,
E ficaram presos na couraça
da justiça,
E Herodes jogou
pedras e disso nasceu um Templo.
Oh, o poema da
tristeza da pedra
Oh, o poema jogado
nas pedras
Oh, o poema de pedras
jogadas.
Haverá́ nesta terra
Uma pedra que nunca
foi jogada
E nunca construída e
nunca revirada
E nunca descoberta e
nunca revelada
E nunca gritada de um
muro e nunca descartada
pelos construtores
E nunca colocada
sobre uma tumba e nunca deitada
sob dois amantes
E nunca transformada
em pedra angular?
Por favor, não joguem
mais pedras,
Vocês estão movendo a
terra,
A terra sagrada,
plena, aberta,
Vocês estão movendo a
terra para o mar
E o mar não a quer
O mar diz: em mim, não.
Por favor, joguem
pedras pequenas,
Joguem fósseis de
caramujo, joguem cascalho,
Justiça ou injustiça
das pedreiras de Migdal Tsedek,
Joguem pedras macias,
joguem doces torrões,
Joguem limo, joguem
lama,
Joguem areia da
praia,
Joguem poeira do
deserto, joguem crosta,
Joguem solo, joguem
vento,
Joguem ar, joguem
nada
Até́ que as mãos
fiquem cansadas,
E a guerra fique
cansada,
E mesmo a paz fique cansada e fique.
(Poema traduzido ao português por Cide Piquet a partir da versão do hebraico para o inglês de Barbara e Benjamin Harshav, disponível neste endereço)
O canto sudoeste da
Esplanada do Haram,
o Antigo Templo
(James J. J. Tissot:
pintor francês)
Referência:
AMICHAI, Yehuda. Poema
temporário do meu tempo. Tradução de Cide Piquer. In: MENDONÇA, Vanderley
(Ed.). Lira argenta: poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP:
Selo Demônio Negro, 2017. p. 255 e 257.
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