Parra joga com a
ideia de arbitrariedade dos nomes pelos quais damos a conhecer as coisas, à
procura de questionar – e até mesmo subverter – as convenções estabelecidas dos
signos linguísticos: segundo o falante, o poeta tem a responsabilidade de
renovar a linguagem, criando novas realidades através de giros verbais inusitados,
de perspectivas desconcertantes.
Estimula-se, assim, a
capacidade disruptiva da palavra para designar os objetos e os conceitos, desafiando
a lógica ao substituir-se um termo tangível por outro aparentemente absurdo,
numa transgressão que, zombeteiramente, se pretende oficializada, quando se
ordena que seja ela “comunicada, anotada e publicada” para a ciência de todos.
J.A.R. – H.C.
Nicanor Parra
(1914-2018)
Cambios de nombre
A los amantes de las
bellas letras
Hago llegar mis
mejores deseos
Voy a cambiar de
nombre a algunas cosas.
Mi posición es ésta:
El poeta no cumple su
palabra
Si no cambia los
nombres de las cosas.
¿Con qué razón el sol
Ha de seguir
llamándose sol?
¡Pido que se llame
Micifuz
El de las botas de
cuarenta leguas!
¿Mis zapatos parecen
ataúdes?
Sepan que desde hoy
en adelante
Los zapatos se llaman
ataúdes.
Comuníquese, anótese
y publíquese
Que los zapatos han
cambiado de nombre:
Desde ahora se llaman
ataúdes.
Bueno, la noche es
larga
Todo poeta que se
estime a sí mismo
Debe tener su propio
diccionario
Y antes que se me
olvide
Al propio dios hay
que cambiarle nombre
Que cada cual lo
llame como quiera:
Ese es un problema
personal.
En: “Versos de salón”
(1962)
Um par de sapatos
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
Mudanças de nome
A vocês, amantes das belas-letras
Faço chegar meus
melhores desejos
Vou mudar os nomes de
algumas coisas.
Minha posição é esta:
O poeta não cumpre
sua palavra
Se não muda os nomes
das coisas.
Por que motivo o sol
Continuará se
chamando sol?
Peço que se chame
Micifuz
Aquele das botas de
quarenta léguas!
Meus sapatos parecem
ataúdes?
Saibam vocês que de
hoje em diante
Os sapatos se chamam
ataúdes.
Comunique-se,
anote-se, publique-se
Que os sapatos
mudaram de nome:
De agora em diante se
chamam ataúdes.
Bom, a noite é longa
Todo poeta que se
preze
Deve ter seu próprio
dicionário
E antes que eu me
esqueça
Até o nome de deus é
preciso mudar
Que cada um o chame
como quiser:
Esse é um problema
pessoal.
Em: “Versos de salão”
(1962)
Referência:
PARRA, Nicanor. Cambios de nombre / Mudanças de nome. Tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. In: __________. Só para maiores de cem anos: antologia (anti)poética. Seleção e tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Editora 34, 2018. Em espanhol: p. 197-198; em português: p. 51.
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