Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Nicanor Parra - Mudanças de nome

Parra joga com a ideia de arbitrariedade dos nomes pelos quais damos a conhecer as coisas, à procura de questionar – e até mesmo subverter – as convenções estabelecidas dos signos linguísticos: segundo o falante, o poeta tem a responsabilidade de renovar a linguagem, criando novas realidades através de giros verbais inusitados, de perspectivas desconcertantes.

 

Estimula-se, assim, a capacidade disruptiva da palavra para designar os objetos e os conceitos, desafiando a lógica ao substituir-se um termo tangível por outro aparentemente absurdo, numa transgressão que, zombeteiramente, se pretende oficializada, quando se ordena que seja ela “comunicada, anotada e publicada” para a ciência de todos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Nicanor Parra

(1914-2018)

 

Cambios de nombre

 

A los amantes de las bellas letras

Hago llegar mis mejores deseos

Voy a cambiar de nombre a algunas cosas.

 

Mi posición es ésta:

El poeta no cumple su palabra

Si no cambia los nombres de las cosas.

 

¿Con qué razón el sol

Ha de seguir llamándose sol?

¡Pido que se llame Micifuz

El de las botas de cuarenta leguas!

 

¿Mis zapatos parecen ataúdes?

Sepan que desde hoy en adelante

Los zapatos se llaman ataúdes.

Comuníquese, anótese y publíquese

Que los zapatos han cambiado de nombre:

Desde ahora se llaman ataúdes.

 

Bueno, la noche es larga

Todo poeta que se estime a sí mismo

Debe tener su propio diccionario

Y antes que se me olvide

Al propio dios hay que cambiarle nombre

Que cada cual lo llame como quiera:

Ese es un problema personal.

 

En: “Versos de salón” (1962)

 

Um par de sapatos

(Vincent van Gogh: pintor holandês)

 

Mudanças de nome

 

A vocês, amantes das belas-letras

Faço chegar meus melhores desejos

Vou mudar os nomes de algumas coisas.

 

Minha posição é esta:

O poeta não cumpre sua palavra

Se não muda os nomes das coisas.

 

Por que motivo o sol

Continuará se chamando sol?

Peço que se chame Micifuz

Aquele das botas de quarenta léguas!

 

Meus sapatos parecem ataúdes?

Saibam vocês que de hoje em diante

Os sapatos se chamam ataúdes.

Comunique-se, anote-se, publique-se

Que os sapatos mudaram de nome:

De agora em diante se chamam ataúdes.

 

Bom, a noite é longa

Todo poeta que se preze

Deve ter seu próprio dicionário

E antes que eu me esqueça

Até o nome de deus é preciso mudar

Que cada um o chame como quiser:

Esse é um problema pessoal.

 

Em: “Versos de salão” (1962)

 

Referência:

 

PARRA, Nicanor. Cambios de nombre / Mudanças de nome. Tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. In: __________. Só para maiores de cem anos: antologia (anti)poética. Seleção e tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Editora 34, 2018. Em espanhol: p. 197-198; em português: p. 51.

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