Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Max Martins - A casa

Martins captura, por meio de evocadoras metáforas, a essência de um lar em ruínas, a fragilidade da vida familiar diante da passagem inexorável do tempo, transmitindo-nos uma sensação de nostalgia, de perda, de decadência física, mas também um vislumbre da força inquebrantável do amor materno, espécie de liga que se obstina resilientemente em manter vivos os vínculos parentais.

 

Todas as memórias se dilapidam, desarticulam-se todos os laços e os sonhos de início partilhados, o próprio sentido de identidade aos poucos se esvai. Mas veja o leitor que, por trás de tal pungente bosquejo de agruras, a essência, a história e o destino dessa família transcendem o meramente particular atribuível à realidade contingente do falante, para se abrir a um contexto mais universal, pois que perdas, saudades e algumas porções de esperança são componentes distintivos da própria condição humana.

 

J.A.R. – H.C.

 

Max Martins

(1926-2009)

 

A casa

 

Esta casa é uma ruína,

quase terreno baldio:

coração de minha mãe

– esta terra de ninguém,

está cheio e está vazio.

Esta casa vem abaixo,

está prestes a cair.

Esta casa foi à lua,

esta casa foi um tronco,

foi navio

com seu mar encapelado

e bandeiras em abril

(minha mãe na capitânia,

na janela minha irmã).

Tantos anos se passaram,

tantos sonhos se esgotaram;

minha mãe nos sustentava,

nos amava e costurava

nossa vida à sua alma

como a roupa que vestia.

Esta casa é uma ruína

que dá pena a seus vizinhos.

Sobem ervas nas paredes

desta casa-soledade

encolhida pela vida

que dentro dela cresceu;

esta vida que é poeira

esta vida que é silêncio

esta vida que é fechada

esta vida que é goteira

nesta casa condenada.

Esta casa tinha escada,

esta escada três degraus.

E no último tropeçaram

estes sete filhos seus.

Nesta casa inda ressoa

o pigarro de meu pai

(seu cigarro era uma brasa

nessa noite que o escondeu

de seus filhos tropeçados

nesta vida que os comeu).

Esta casa vai cair!

Veio abaixo nossa vida,

veio a chuva, foi-se o sol;

a lama sobe a escada,

às paredes sobe o limo:

esta casa enlouqueceu!

 

Nossa mãe se ressequiu.

Sua vida é esta máquina

que de surda enrouqueceu

(único sinal de vida

que a escada não desceu).

Mas é forte esta sua lida,

sua máquina que não para

que nos cose e nos trabalha.

 

A família numa casa em ruínas

(Imagem renderizada de autoria desconhecida)

 

Referência:

 

MARTINS, Max. A casa. In: __________. H’era. Organização e notas de Age de Carvalho. Prefácio e posfácio de Benedito Nunes. Belém, PA: ed.ufpa, 2016. p. 50-51. (“Poesia Completa”; v. 3)

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