Martins captura, por
meio de evocadoras metáforas, a essência de um lar em ruínas, a fragilidade da
vida familiar diante da passagem inexorável do tempo, transmitindo-nos uma
sensação de nostalgia, de perda, de decadência física, mas também um vislumbre
da força inquebrantável do amor materno, espécie de liga que se obstina
resilientemente em manter vivos os vínculos parentais.
Todas as memórias se
dilapidam, desarticulam-se todos os laços e os sonhos de início partilhados, o
próprio sentido de identidade aos poucos se esvai. Mas veja o leitor que, por
trás de tal pungente bosquejo de agruras, a essência, a história e o destino
dessa família transcendem o meramente particular atribuível à realidade contingente
do falante, para se abrir a um contexto mais universal, pois que perdas,
saudades e algumas porções de esperança são componentes distintivos da própria condição
humana.
J.A.R. – H.C.
Max Martins
(1926-2009)
A casa
Esta casa é uma
ruína,
quase terreno baldio:
coração de minha mãe
– esta terra de
ninguém,
está cheio e está
vazio.
Esta casa vem abaixo,
está prestes a cair.
Esta casa foi à lua,
esta casa foi um
tronco,
foi navio
com seu mar
encapelado
e bandeiras em abril
(minha mãe na capitânia,
na janela minha
irmã).
Tantos anos se
passaram,
tantos sonhos se
esgotaram;
minha mãe nos
sustentava,
nos amava e costurava
nossa vida à sua alma
como a roupa que
vestia.
Esta casa é uma ruína
que dá pena a seus
vizinhos.
Sobem ervas nas
paredes
desta casa-soledade
encolhida pela vida
que dentro dela
cresceu;
esta vida que é
poeira
esta vida que é silêncio
esta vida que é
fechada
esta vida que é
goteira
nesta casa condenada.
Esta casa tinha
escada,
esta escada três
degraus.
E no último
tropeçaram
estes sete filhos
seus.
Nesta casa inda
ressoa
o pigarro de meu pai
(seu cigarro era uma
brasa
nessa noite que o
escondeu
de seus filhos
tropeçados
nesta vida que os
comeu).
Esta casa vai cair!
Veio abaixo nossa
vida,
veio a chuva, foi-se
o sol;
a lama sobe a escada,
às paredes sobe o
limo:
esta casa
enlouqueceu!
Nossa mãe se
ressequiu.
Sua vida é esta
máquina
que de surda
enrouqueceu
(único sinal de vida
que a escada não
desceu).
Mas é forte esta sua
lida,
sua máquina que não para
que nos cose e nos
trabalha.
A família numa casa
em ruínas
(Imagem renderizada de
autoria desconhecida)
Referência:
MARTINS, Max. A casa.
In: __________. H’era. Organização e notas de Age de Carvalho. Prefácio
e posfácio de Benedito Nunes. Belém, PA: ed.ufpa, 2016. p. 50-51. (“Poesia
Completa”; v. 3)
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