Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Carolyn D. Wright - Nada a Declarar

Há um certo contraste entre o título atribuído pela poetisa norte-americana ao infratranscrito poema e o seu inteiro teor, tudo porque os versos dizem muito sobre temas, quer íntimos quer universais, como a nostalgia, o sentimento de perda, os reveses criativos, os ideais fragilizados de identidade e de pertencimento, o desencanto com a política e a demanda por resistência diante das desigualdades e injustiças do mundo – esse domínio matizado pelas muitas formas da experiência humana.

 

Apesar das atribulações, a poetisa sugere haver alguma esperança de que as coisas mudem para melhor pela via da ação consciente, para que a sociedade deixe de perpetuar dogmas vazios e desumanizantes – para não dizer preconceituosos e divisionistas –, deixando de “soltar os seus cães” com o objetivo de atazanar os “sonhos” dos marginalizados, afastando de vez essa sensação de desenraizamento e de alienação, o que poderia tornar a vida um fardo menos árduo, com conexões mais espontâneas.

 

J.A.R. – H.C.

 

Carolyn D. Wright

(1949-2016)

 

Nothing to Declare

 

When I lived here

the zinnias were brilliant,

spring passed in walks.

One winter I wasn’t so young.

I rented a house with Ann Grey

where she wrote a book and I could not.

Cold as we were on the mountain

we wouldn’t be moved to the plain.

Afternoons with no sun

a blanket is left on the line.

Hearts go bad

like something open on a shelf.

If you came to hear about roosters,

iron beds, cabinets of ruby glass –

those things are long gone;

deepscreen porches and Sunday’s buffet.

This was the school

where they taught us

the Russians send their old

to be melted down for candles.

If I had a daughter I’d tell her

Go far, travel lightly.

If I had a son he’d go to war

over my hard body.

Don’t tell me it wasn’t worth the trouble

carrying on campaigns

for the good and the dead.

The ones I would vote for

never run. I want each and every one

to rejoice in the clotheslines

of the colored peoples of the earth.

Try living where you don’t have to see

the sun go down.

If the hunter turns his dogs loose

on your dreams

start early, tell no one

get rid of the scent.

 

Crepúsculo no inverno

(Raphael Gleitsmann: pintor norte-americano)

 

Nada a Declarar

 

Quando eu morava aqui

as zínias eram brilhantes,

a primavera transcorria entre caminhadas.

Num certo inverno já não era tão jovem.

Ann Grey e eu alugamos uma casa

onde ela escreveu um livro que a mim não foi possível.

Por mais frio que sentíssemos na montanha,

não nos mudávamos para a planície.

Nas tardes sem sol,

sempre restava um cobertor estendido no varal.

Os corações acabam por deteriorar-se

como algo deixado aberto numa prateleira.

Se viestes para ouvir falar de galos,

leitos de ferro, armários de vidro rubi –

essas coisas já se foram há muito;

alpendres firmemente telados e o bufê de domingo.

Esta era a escola

onde nos ensinaram

que os russos enviam os seus velhos

para serem derretidos e reduzidos a velas.

Se eu tivesse uma filha, dir-lhe-ia:

Vai longe, que a tua jornada seja leve.

Se tivesse um filho, ele iria à guerra

por este meu corpo enrijecido.

Não digais que não valeu a pena

realizar campanhas

pelos bons e pelos mortos.

Aqueles em quem eu votaria

nunca se candidatam. Quero que todos e cada um

se regozijem com os estendais

dos povos de cor da terra.

Tentai viver onde não tenhais que ver

o sol se pôr.

Se o caçador soltar os seus cães

em vossos sonhos,

despertai cedo, não o digais a ninguém

e livrai-vos dos rastos farejantes.

 

Referência:

 

WRIGHT, Carolyn D. Nothing to declare. In: MAYES, Frances. The discovery of poetry: a field guide to Reading and writing poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. 475-476.

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