Há um certo contraste
entre o título atribuído pela poetisa norte-americana ao infratranscrito poema e
o seu inteiro teor, tudo porque os versos dizem muito sobre temas, quer íntimos
quer universais, como a nostalgia, o sentimento de perda, os reveses criativos,
os ideais fragilizados de identidade e de pertencimento, o desencanto com a política
e a demanda por resistência diante das desigualdades e injustiças do mundo –
esse domínio matizado pelas muitas formas da experiência humana.
Apesar das atribulações,
a poetisa sugere haver alguma esperança de que as coisas mudem para melhor pela
via da ação consciente, para que a sociedade deixe de perpetuar dogmas vazios e
desumanizantes – para não dizer preconceituosos e divisionistas –, deixando de “soltar
os seus cães” com o objetivo de atazanar os “sonhos” dos marginalizados, afastando
de vez essa sensação de desenraizamento e de alienação, o que poderia tornar a vida
um fardo menos árduo, com conexões mais espontâneas.
J.A.R. – H.C.
Carolyn D. Wright
(1949-2016)
Nothing to Declare
When I lived here
the zinnias were
brilliant,
spring passed in
walks.
One winter I wasn’t
so young.
I rented a house with
Ann Grey
where she wrote a
book and I could not.
Cold as we were on
the mountain
we wouldn’t be moved
to the plain.
Afternoons with no
sun
a blanket is left on
the line.
Hearts go bad
like something open
on a shelf.
If you came to hear
about roosters,
iron beds, cabinets
of ruby glass –
those things are long
gone;
deepscreen porches
and Sunday’s buffet.
This was the school
where they taught us
the Russians send
their old
to be melted down for
candles.
If I had a daughter
I’d tell her
Go far, travel
lightly.
If I had a son he’d
go to war
over my hard body.
Don’t tell me it
wasn’t worth the trouble
carrying on campaigns
for the good and the
dead.
The ones I would vote
for
never run. I want
each and every one
to rejoice in the
clotheslines
of the colored
peoples of the earth.
Try living where you
don’t have to see
the sun go down.
If the hunter turns
his dogs loose
on your dreams
start early, tell no
one
get rid of the scent.
Crepúsculo no inverno
(Raphael Gleitsmann:
pintor norte-americano)
Nada a Declarar
Quando eu morava aqui
as zínias eram
brilhantes,
a primavera transcorria
entre caminhadas.
Num certo inverno já não
era tão jovem.
Ann Grey e eu
alugamos uma casa
onde ela escreveu um
livro que a mim não foi possível.
Por mais frio que
sentíssemos na montanha,
não nos mudávamos
para a planície.
Nas tardes sem sol,
sempre restava um
cobertor estendido no varal.
Os corações acabam
por deteriorar-se
como algo deixado aberto
numa prateleira.
Se viestes para ouvir
falar de galos,
leitos de ferro,
armários de vidro rubi –
essas coisas já se
foram há muito;
alpendres firmemente
telados e o bufê de domingo.
Esta era a escola
onde nos ensinaram
que os russos enviam
os seus velhos
para serem derretidos
e reduzidos a velas.
Se eu tivesse uma
filha, dir-lhe-ia:
Vai longe, que a tua
jornada seja leve.
Se tivesse um filho,
ele iria à guerra
por este meu corpo
enrijecido.
Não digais que não
valeu a pena
realizar campanhas
pelos bons e pelos
mortos.
Aqueles em quem eu votaria
nunca se candidatam.
Quero que todos e cada um
se regozijem com os estendais
dos povos de cor da
terra.
Tentai viver onde não
tenhais que ver
o sol se pôr.
Se o caçador soltar
os seus cães
em vossos sonhos,
despertai cedo, não o
digais a ninguém
e livrai-vos dos
rastos farejantes.
Referência:
WRIGHT, Carolyn D.
Nothing to declare. In: MAYES, Frances. The discovery of poetry: a field
guide to Reading and writing poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest
& Harcout, 2001. p. 475-476.
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