Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Charles Baudelaire - Harmonia da tarde

Neste pantum, em duas traduções, Baudelaire nos faz imergir em sua gama colorida de imagens sinestésicas, tudo para despertar no leitor as sensações e as emoções que pressupõe haver num melancólico entardecer: trata-se, de fato, de um poema que celebra o lado mais pungente e efêmero da beleza vespertina, sintetizada numa dança harmoniosa, agridoce, a fundir os sentidos, os sons do violino e o crepúsculo.

 

Percebe-se, ademais, uma nébula religiosa em cujo meio pairam a nostalgia do passado e o timbre da espiritualidade, como se o falante estivesse enredado em um sonho, contemplando a marcha de um ciclo cósmico, resignado à passagem do tempo e, por conseguinte, à impermanência da vida (o que, de algum modo, justificaria o aludido recurso a conteúdos e objetos sagrados, desde logo associados a uma ideia de transcendência).

 

J.A.R. – H.C.

 

Charles Baudelaire

(1821-1867)

 

Harmonie du soir

 

Voici venir les temps où vibrant sur sa tige

Chaque fleur s’évapore ainsi qu’un encensoir;

Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir;

Valse mélancolique et langoureux vertige!

 

Chaque fleur s’évapore ainsi qu’un encensoir;

Le violon frémit comme un coeur qu’on afflige;

Valse mélancolique et langoureux vertige!

Le ciel est triste et beau comme un grand reposoir.

 

Le violon frémit comme un coeur qu’on afflige,

Un coeur tendre, qui hait le néant vaste et noir!

Le ciel est triste et beau comme un grand reposoir;

Le soleil s’est noyé dans son sang qui se fige.

 

Un coeur tendre, qui hait le néant vaste et noir,

Du passé lumineux recueille tout vestige!

Le soleil s’est noyé dans son sang qui se fige...

Ton souvenir en moi luit comme un ostensoir!

 

Ponte Charing Cross, Tâmisa

(Claude Monet: pintor francês)

 

Harmonia da tarde

 

Eis que é chegado o tempo em que no hastil tremente

Cada flor se evapora assim como o incensório;

Os perfumes e os sons giram pelo cibório

Da tarde que é langor, vertiginosamente!

 

Cada flor se evapora assim como o incensório;

Estremece o violino e como um peito doente

A tarde que é langor, vertiginosamente!

Como um altar o céu é belo e merencório.

 

Estremece o violino e como um peito doente,

Um coração que odeia o sombrio e o incorpóreo!

Como um altar o céu é belo e merencório,

E já naufraga o sol em seu coágulo ardente.

 

Um coração que odeia o sombrio e o incorpóreo,

Rastros a recolher do passado fulgente!

E já naufraga o sol em seu coágulo ardente...

Tua lembrança em mim luz como um ostensório.

 

Tradução de Jamil Almansur Haddad

 

Períbolo moscovita

(Vasily D. Polenov: Pintor russo)

 

Harmonia da tarde

 

Chegado é o tempo em que, vibrando o caule virgem,

Cada flor se evapora igual a um incensório;

Sons e perfumes pulsam no ar quase incorpóreo;

Melancólica valsa e lânguida vertigem!

 

Cada flor se evapora igual a um incensório;

Fremem violinos como fibras que se afligem;

Melancólica valsa e lânguida vertigem!

É triste e belo o céu como um grande oratório.

 

Fremem violinos como fibras que se afligem,

Almas ternas que odeiam o nada vasto e inglório!

É triste e belo o céu como um grande oratório;

O sol se afoga em ondas que de sangue o tingem.

 

Almas ternas que odeiam o nada vasto e inglório

Recolhem do passado as ilusões que o fingem!

O sol se afoga agora em ondas que de sangue o tingem...

Fulge a tua lembrança em mim qual ostensório!

 

Tradução de Ivan Junqueira

 

Referências:

 

Em Francês

 

BAUDELAIRE, Charles. Harmonie du soir. In: __________. As flores do mal. Apresentação de Marcelo Jacques. Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Edição bilíngue: francês x português. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2012. p. 222.

 

Em Português

 

BAUDELAIRE, Charles. Harmonia da tarde. Tradução de Jamil Almansur Haddad. In: __________. As flores do mal. Tradução, introdução e notas de Jamil Almansur Haddad. São Paulo, SP: Abril Cultural, 1984. p. 166.

 

BAUDELAIRE, Charles. Harmonia da tarde. Tradução de Ivan Junqueira. In: __________. As flores do mal. Apresentação de Marcelo Jacques. Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2012. p. 223.

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