Neste pantum, em duas
traduções, Baudelaire nos faz imergir em sua gama colorida de imagens sinestésicas,
tudo para despertar no leitor as sensações e as emoções que pressupõe haver num
melancólico entardecer: trata-se, de fato, de um poema que celebra o lado mais
pungente e efêmero da beleza vespertina, sintetizada numa dança harmoniosa, agridoce,
a fundir os sentidos, os sons do violino e o crepúsculo.
Percebe-se, ademais,
uma nébula religiosa em cujo meio pairam a nostalgia do passado e o timbre da
espiritualidade, como se o falante estivesse enredado em um sonho, contemplando
a marcha de um ciclo cósmico, resignado à passagem do tempo e, por conseguinte,
à impermanência da vida (o que, de algum modo, justificaria o aludido recurso a
conteúdos e objetos sagrados, desde logo associados a uma ideia de transcendência).
J.A.R. – H.C.
Charles Baudelaire
(1821-1867)
Harmonie du soir
Voici venir les temps
où vibrant sur sa tige
Chaque fleur s’évapore
ainsi qu’un encensoir;
Les sons et les
parfums tournent dans l’air du soir;
Valse mélancolique et
langoureux vertige!
Chaque fleur s’évapore
ainsi qu’un encensoir;
Le violon frémit
comme un coeur qu’on afflige;
Valse mélancolique et
langoureux vertige!
Le ciel est triste et
beau comme un grand reposoir.
Le violon frémit
comme un coeur qu’on afflige,
Un coeur tendre, qui
hait le néant vaste et noir!
Le ciel est triste et
beau comme un grand reposoir;
Le soleil s’est noyé
dans son sang qui se fige.
Un coeur tendre, qui
hait le néant vaste et noir,
Du passé lumineux
recueille tout vestige!
Le soleil s’est noyé
dans son sang qui se fige...
Ton souvenir en moi
luit comme un ostensoir!
Ponte Charing Cross, Tâmisa
(Claude Monet: pintor
francês)
Harmonia da tarde
Eis que é chegado o
tempo em que no hastil tremente
Cada flor se evapora
assim como o incensório;
Os perfumes e os sons
giram pelo cibório
Da tarde que é
langor, vertiginosamente!
Cada flor se evapora
assim como o incensório;
Estremece o violino e
como um peito doente
A tarde que é langor,
vertiginosamente!
Como um altar o céu é
belo e merencório.
Estremece o violino e
como um peito doente,
Um coração que odeia
o sombrio e o incorpóreo!
Como um altar o céu é
belo e merencório,
E já naufraga o sol
em seu coágulo ardente.
Um coração que odeia
o sombrio e o incorpóreo,
Rastros a recolher do
passado fulgente!
E já naufraga o sol
em seu coágulo ardente...
Tua lembrança em mim
luz como um ostensório.
Tradução de Jamil
Almansur Haddad
Períbolo moscovita
(Vasily D. Polenov:
Pintor russo)
Harmonia da tarde
Chegado é o tempo em
que, vibrando o caule virgem,
Cada flor se evapora
igual a um incensório;
Sons e perfumes
pulsam no ar quase incorpóreo;
Melancólica valsa e
lânguida vertigem!
Cada flor se evapora
igual a um incensório;
Fremem violinos como
fibras que se afligem;
Melancólica valsa e
lânguida vertigem!
É triste e belo o céu
como um grande oratório.
Fremem violinos como
fibras que se afligem,
Almas ternas que
odeiam o nada vasto e inglório!
É triste e belo o céu
como um grande oratório;
O sol se afoga em
ondas que de sangue o tingem.
Almas ternas que
odeiam o nada vasto e inglório
Recolhem do passado
as ilusões que o fingem!
O sol se afoga agora
em ondas que de sangue o tingem...
Fulge a tua lembrança
em mim qual ostensório!
Tradução de Ivan
Junqueira
Referências:
Em Francês
BAUDELAIRE, Charles. Harmonie
du soir. In: __________. As flores do mal. Apresentação de Marcelo
Jacques. Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Edição bilíngue: francês x português. Rio
de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2012. p. 222.
Em Português
BAUDELAIRE, Charles. Harmonia da tarde. Tradução de Jamil Almansur Haddad. In: __________. As flores do mal. Tradução,
introdução e notas de Jamil Almansur Haddad. São Paulo, SP: Abril Cultural,
1984. p. 166.
BAUDELAIRE, Charles.
Harmonia da tarde. Tradução de Ivan Junqueira. In: __________. As flores do
mal. Apresentação de Marcelo Jacques. Tradução, introdução e notas de Ivan
Junqueira. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2012. p. 223.
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