Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Rainer Maria Rilke - Fim de Outono em Veneza

Empregando a imagética dos ciclos da natureza, estes versos capturam a alternância entre a vitalidade e o letargo num ambiente urbano – como o de Veneza, na Itália –, quando, no mais tardio outono, a cidade, como se fosse um organismo vivo, deixa de exibir aquele seu encanto de atração turística, arrebatadora e vibrante, e os seus palácios de cristal já não brilham com a mesma intensidade diante do olhar do falante.

 

Esse quadro de langor reforça a sensação de decadência e de finitude, embora também acomode, por efeito das palavras do poeta, um quê de esperança arrimada em promessas de um futuro pleno de possibilidades, o que se nos afigura como um giro factível de perspectiva acerca do significado atribuível ao poema, a saber, não só de retratar as mutações sazonais no sítio da “Sereníssima”, senão também de nos contar sobre a nossa própria condição humana.

 

J.A.R. – H.C.

 

Rainer Maria Rilke

(1875-1926)

 

Spätherbst in Venedig

 

Nun treibt die Stadt schon nicht mehr wie ein Köder,

der alle aufgetauchten Tage fängt.

Die gläsernen Paläste klingen spröder

an deinen Blick. Und aus den Gärten hängt

 

der Sommer wie ein Haufen Marionetten

kopfüber, müde, umgebracht.

Aber vom Grund aus alten Waldskeletten

steigt Willen auf: als sollte über Nacht

 

der General, des Meeres die Galeeren

verdoppeln in dem wachen Arsenal,

um schon die nächste Morgenluft zu teeren

 

mit einer Flotte, welche ruderschlagend

sich drängt und jäh, mit allen Flaggen tagend,

den großen Wind hat, strahlend und fatal.

 

Outono em Veneza

(Viktor Shvaiko: artista russo)

 

Fim de Outono em Veneza

 

A cidade sem luz já não é mais o anzol

pescando à beira-mar o dia renascido.

Os palácios de vidro emitem um sonido

mais quebradiço aos olhos. Dos jardins, o sol,

 

penca de marionetes em um fim da festa,

pende, exaurido, morto, de ponta-cabeça.

Mas da raiz dos esqueletos da floresta

cresce um querer: assim, durante a noite espessa,

 

no arsenal em vigília ordena o comandante

redobrar as galés, para que a sua frota

possa cobrir de breu a brisa da alvorada

 

com os remos que vão abrindo a sua rota,

e súbito, as bandeiras todas em parada,

recebe o grande vento, lúgubre e radiante.

 

Referência:

 

RILKE, Rainer Maria. Spätherbst in Venedig / Fim de outono em Veneza. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de. Coisas e anjos de Rilke. Edição bilíngue: alemão x português. 1. ed., 1. reimp. São Paulo, SP: Perspectiva, 2007. Em alemão: p. 130; em português: p. 131. (Coleção “Signos”; v. 30)

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