Empregando a imagética
dos ciclos da natureza, estes versos capturam a alternância entre a vitalidade
e o letargo num ambiente urbano – como o de Veneza, na Itália –, quando, no
mais tardio outono, a cidade, como se fosse um organismo vivo, deixa de exibir
aquele seu encanto de atração turística, arrebatadora e vibrante, e os seus palácios
de cristal já não brilham com a mesma intensidade diante do olhar do falante.
Esse quadro de langor
reforça a sensação de decadência e de finitude, embora também acomode, por
efeito das palavras do poeta, um quê de esperança arrimada em promessas de um futuro
pleno de possibilidades, o que se nos afigura como um giro factível de perspectiva
acerca do significado atribuível ao poema, a saber, não só de retratar as mutações
sazonais no sítio da “Sereníssima”, senão também de nos contar sobre a nossa
própria condição humana.
J.A.R. – H.C.
Rainer Maria Rilke
(1875-1926)
Spätherbst in Venedig
Nun treibt die Stadt
schon nicht mehr wie ein Köder,
der alle
aufgetauchten Tage fängt.
Die gläsernen Paläste
klingen spröder
an deinen Blick. Und
aus den Gärten hängt
der Sommer wie ein
Haufen Marionetten
kopfüber, müde,
umgebracht.
Aber vom Grund aus
alten Waldskeletten
steigt Willen auf:
als sollte über Nacht
der General, des
Meeres die Galeeren
verdoppeln in dem
wachen Arsenal,
um schon die nächste
Morgenluft zu teeren
mit einer Flotte,
welche ruderschlagend
sich drängt und jäh,
mit allen Flaggen tagend,
den großen Wind hat,
strahlend und fatal.
Outono em Veneza
(Viktor Shvaiko: artista
russo)
Fim de Outono em
Veneza
A cidade sem luz já
não é mais o anzol
pescando à beira-mar
o dia renascido.
Os palácios de vidro
emitem um sonido
mais quebradiço aos
olhos. Dos jardins, o sol,
penca de marionetes
em um fim da festa,
pende, exaurido,
morto, de ponta-cabeça.
Mas da raiz dos
esqueletos da floresta
cresce um querer:
assim, durante a noite espessa,
no arsenal em vigília
ordena o comandante
redobrar as galés,
para que a sua frota
possa cobrir de breu
a brisa da alvorada
com os remos que vão
abrindo a sua rota,
e súbito, as
bandeiras todas em parada,
recebe o grande
vento, lúgubre e radiante.
Referência:
RILKE, Rainer Maria. Spätherbst in Venedig / Fim de outono em Veneza. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de. Coisas e anjos de Rilke. Edição bilíngue: alemão x português. 1. ed., 1. reimp. São Paulo, SP: Perspectiva, 2007. Em alemão: p. 130; em português: p. 131. (Coleção “Signos”; v. 30)
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