Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 6 de setembro de 2025

António Salvado - A Razão Indefinida

Com versos livres e estrutura segmentada, este poema nos fala das dinâmicas opostas representadas pela aparente universalidade, imutabilidade e insignificância do tempo e pela busca persistente de um propósito ou razão que justifique a existência humana, para além das trivialidades quotidianas ou mesmo de desalentadoras hipóteses teóricas que tomam este mundo como expressão do mais puro absurdo.

 

Salvado reforça a ideia de que o tempo é de uma linearidade inexorável que conduz todos os seres à solidão, a uma angústia existencial. Insertos nessa mônada temporal, à medida que nos aproximamos da morte, despojamo-nos das vaidades, aspirando por clareza acerca do que ainda está por vir, ainda que muitas vezes toldada por expectativas ilusórias.

 

Mas o poeta nos revela a sua esperança de que, num futuro distante, sob as luzes de uma perspectiva mais ampla, a nossa existência possa adquirir um significado a respeito do qual por ora não atinamos, transcendendo os limites de nossa hesitante e precária compreensão sobre o que, à primeira vista, nos parece sem-sentido, tal que se convole toda a dúvida em um oportuno vislumbre sobre os motivos determinantes de aqui estarmos.

 

J.A.R. – H.C.

 

António Salvado

(1936-2023)

 

A Razão Indefinida

 

Longe ou perto, em qualquer lugar, o tempo

é sempre o mesmo:

continuamente vazio de importância...

 

O tempo é sempre igual:

descida ao ponto máximo da solidão.

 

Mas, ah! No cansaço de aproximarmos a morte,

de ficarmos despidos de todas as vaidades,

no impossível sonho da claridade exigida –

aí surge o absurdo, os tentáculos cruéis,

a falsa limpidez da expectativa...

 

Porém, um dia longínquo, indiferente ao tempo,

nós seremos talvez o barro de algum a ideia,

o sopro surpreendente de que nem tudo foi inútil,

de que existia uma razão definida, uma razão clara!

 

Em: “Cicatriz” (1965)

 

A passagem do tempo

(Sushe Felix: artista norte-americana)

 

Referência:

 

SALVADO, Antônio. A razão indefinida. In: __________. Obra I: 1955-1975. Coimbra, PT: A Mar Arte, 1997. p. 121.

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