Ievtuchenko
apresenta-nos um retrato vívido de um encontro casual com Ernest Hemingway no
aeroporto de Copenhague: a cena é descrita com uma riqueza de detalhes, capturando
os efeitos da presença física do escritor, vale dizer, os revérberos de força,
resistência e autenticidade que a figura do “velho marinheiro” logra transmitir
aos passantes.
O poeta russo contrasta
o requinte e a modernidade do ambiente, bem assim a sofisticação dos turistas,
com a presença áspera e desgastada de Hemingway: suas vestes humildes, a pele enrugada
e bronzeada pelo vento e pelo sol, a barba desgrenhada destoam abruptamente
com a elegância do lugar.
Mas é o seu andar
pesado e determinado, as mãos calejadas, o olhar firme que impõem um ar de
grandeza quase mítica, tornando-o o centro das atenções, como que a ratificar a
influência impactante que o escritor norte-americano teve na literatura e nos valores
culturais ao longo do século XX.
J.A.R. – H.C.
Ievguêni Ievtuchenko
(1932-2017)
Встреча в Копенгагене
Мы на аэродроме в Копенгагене сидели
и на пиво налегали.
Там было все изящно,
комфортабельно –
и до изнеможенья элегантно.
И вдруг он появился
тот старик
в простой зеленой куртке с капюшоном,
с лицом соленым
ветром обожженным.
Верней,
не появился,
а возник.
Он шел,
толпу туристов бороздя,
как будто только-только от штурвала,
и, как морская пена,
борода его лицо,
белея,
окаймляла.
С решимостью угрюмою, победною
он шел,
рождая крупную волну
сквозь старину,
что под модерн подделана,
сквозь всяческий модерн под старину.
И, распахнув рубахи грубый ворот,
он, отвергая вермут и перно,
спросил у стойки рюмку русской водки,
а соду он отвел рукою:
“No...”.
С дублеными руками в шрамах,
ссадинах,
в ботинках, издававших тяжкий стук,
в штанах, неописуемо засаленных,
он элегантней был,
чем все вокруг.
Земля под ним, казалось, прогибалась —
так он шагал увесисто по ней.
И кто-то наш сказал мне, улыбаясь:
“Смотри-ка,
прямо как Хемингуэй!”
Он шел,
в коротком жесте каждом выраженный,
тяжелою походкой рыбака,
весь из скалы гранитной грубо вырубленный,
шел, как идут сквозь пули,
сквозь века.
Он шел, пригнувшись, будто бы в траншее
шел, раздвигая стулья и людей.
Он так похож был на Хемингуэя...
А после я узнал:
что это был Хемингуэй.
1960
Retrato de Hemingway
(Suzann Sines:
pintora inglesa)
Encontro em
Copenhague
Sentados no aeroporto
em Copenhague
atacávamos juntos o
café.
Ali tudo era belo,
confortável –
ambiente refinado
como quê!
E de súbito
aquele velho surgiu,
japona simples e
capuz verde oliva,
pele curtida
por lufadas salinas,
ou melhor,
não surgiu,
exsurgiu.
Caminhava,
singrando por
turistas,
como se houvesse
largado o leme faz pouco,
feito espuma do mar
a barba híspida
branca
emoldurava-lhe o
rosto.
Com sombria decisão
de vitória
caminhava,
erguendo uma onda
volumosa,
através de antiqualhas
de um moderno
postiço,
através do moderno
postiçando o antigo.
E abrindo a gola da
camisa rústica,
ele, rejeitando o vermute
e o pernaud,
pediu ao balcão uma
vodca russa
e repeliu a soda com
um gesto:
“No...”
Mãos gretadas, com cicatrizes,
curtidas,
sapatos grossos,
arrastando solas,
calças incrivelmente
encardidas, –
era mais elegante
do que todos em roda!
A terra sob ele como
que afundava,
com o peso daquelas
passadas.
Um dos nossos
sorriu-me:
“Ei!
Veja se não parece Hemingway!”
Caminhava,
expresso em gestos
curtos,
andar de pescador,
pesado, lento,
todo talhado num
rochedo bruto,
como através das
balas,
através dos tempos.
Caminhava, encurvado,
como na trincheira,
abria caminho entre
pessoas e cadeiras...
Parecia-se tanto com
Hemingway!
... Depois fiquei
sabendo:
era Hemingway.
1960
Referências:
Em Russo
Евтушенко, Евгений. Поэт в России – больше, чем поэт. Стихотворения. Поэмы. Санкт-Петербург, РФ: Азбука, 2017. с. 184-185.
Em Português
IEVTUCHENKO, Ievguêni.
Encontro em Copenhague. Tradução de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman. In:
CAMPOS, Augusto; CAMPOS, Haroldo; SCHNAIDERMAN, Boris (Eds.). Poesia moderna
russa: nova antologia. Traduções de Augusto e Haroldo de Campos, com a
revisão ou colaboração de Boris Schnaiderman. Prefácio, resumos biográficos e
notas de Boris Schnaiderman. 3. ed. São Paulo, SP: Brasiliense, 1985. p.
260-261.
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