Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Volker Braun - O Meio-Dia

Pode-se assumir este poema de Braun como uma potente metáfora para a luta interna entre a autenticidade pessoal, suas verdades, seus embates, e as imposições de uma sociedade infanda, alienante, que a todos submete ao conformismo com a sua arquitetura de rotinas, burocracias, subordinações, obrigações e “razões superiores” que mais parecem grilhões para coarctar a liberdade.

 

Noutra mirada, o poema atém-se à imagem do corpo nu do falante, justapondo alguns de seus elementos físicos a emoções e memórias, tudo como forma de explicitar a sua vulnerabilidade, até mesmo a sua sensação de finitude, de proximidade com a morte, da qual, paradoxalmente, não se depreende uma relação direta com um termo, com um fim, senão que se traduz em elemento catalizador para uma nova consciência, livre das sobreditas amarras.

 

J.A.R. – H.C.

 

Volker Braun

(n. 1939)

 

Der Mittag

 

Ich liege nackt auf dem Laken

Mit meinem müden Gesicht, meinen Händen

Meiner unwirschen Brust, meinen Hoden

Auf einem weissen Laken im Mittag

Der durch die Betonwände schiesst

Und meine Stühle überflutet, meine leeren Schuhe

überrascht von einer plötzliches

Atemlose Erscheining

Aus Jahren und Schrecksekunden, ich liege nackt

Und überströmt, ein alter Mann

Von Erinnerungen und Formularen

Und kenne nicht Tier noch Mensch

In ihrer strengen Untrscheidung

Noch die Beamten und die Zensuren

Der höheren Vernunft

Bin ich von Sinnen? oder im Gegenteil

Ich fühle mich leben

Weit entfernt von den vorgedruckten

Versammlungen und vollsynchronisierten Berichten

Da bin ich gestorben, das ist die Wahrheit

Und ihr seid es für mich

In den unterwürfigen Tänzen

Die das Fleisch gefrieren lassen

Aber ich fühle mich leben, weit entfernt davon!

Meine Artgenossen, das ist die Wahrheit

An diesem plötzlichen Mittag

Der mich durchstürzt

Und ausräumt, in meiner Abwesenheit

Auf einem weissen Laken

Und ausfüllt mit seiner leuchtenden

Klarheit.

 

Ciclo das horas do dia: o meio-dia

(Caspar David Friedrich: pintor alemão)

 

O Meio-Dia

 

Eu, deitado e nu sobre o lençol

Com meu rosto cansado, minhas mãos

Meu peito rude, meus testículos

Sobre um lençol branco no meio-dia

Que irradia pelas paredes de cimento

E inunda minhas cadeiras, meus sapatos vazios

Surpreso pela repentina

Aparição sem fôlego

De anos e segundos de susto, deitado e nu

E envolto, um homem velho

De recordações e formulários

E não sei de bicho nem homem

No que se mais distinguem

Ou de funcionários e censuras

Da razão superior

Saí do sério? ou pelo contrário

Me sinto viver

Bem distante das assembleias

conchavadas e notícias dubladas

Ali estou morto, esta é a verdade

E vocês o estão para mim

Nas danças submissas

Que deixam congelar a carne

Mas eu me sinto viver, bem longe disto!

Meus congêneres, esta é a verdade

Neste meio-dia repentino

Que me invade

E esvazia, à minha revelia,

Sobre um lençol branco

E me preenche com sua lúcida

Clareza.

 

Referência:

 

BRAUN, Volker. Der mittag / O meio-dia. Tradução de Rui Rothe-Neves e Georg Wink. In: ROTHE-NEVES, Rui; WINK, Georg (Seleção, tradução e notas). Entre a guerra e o muro: coletânea bilíngue comentada. Belo Horizonte, MG: Tessitura; FALE/UFMG, 2007. Em alemão: p. 63; em português: p. 62.

Nenhum comentário:

Postar um comentário