Pode-se assumir este
poema de Braun como uma potente metáfora para a luta interna entre a
autenticidade pessoal, suas verdades, seus embates, e as imposições de uma
sociedade infanda, alienante, que a todos submete ao conformismo com a sua arquitetura
de rotinas, burocracias, subordinações, obrigações e “razões superiores” que
mais parecem grilhões para coarctar a liberdade.
Noutra mirada, o
poema atém-se à imagem do corpo nu do falante, justapondo alguns de seus elementos
físicos a emoções e memórias, tudo como forma de explicitar a sua
vulnerabilidade, até mesmo a sua sensação de finitude, de proximidade com a
morte, da qual, paradoxalmente, não se depreende uma relação direta com um termo,
com um fim, senão que se traduz em elemento catalizador para uma nova
consciência, livre das sobreditas amarras.
J.A.R. – H.C.
Volker Braun
(n. 1939)
Der Mittag
Ich liege nackt auf
dem Laken
Mit meinem müden
Gesicht, meinen Händen
Meiner unwirschen
Brust, meinen Hoden
Auf einem weissen
Laken im Mittag
Der durch die
Betonwände schiesst
Und meine Stühle
überflutet, meine leeren Schuhe
überrascht von einer
plötzliches
Atemlose Erscheining
Aus Jahren und
Schrecksekunden, ich liege nackt
Und überströmt, ein
alter Mann
Von Erinnerungen und
Formularen
Und kenne nicht Tier
noch Mensch
In ihrer strengen
Untrscheidung
Noch die Beamten und
die Zensuren
Der höheren Vernunft
Bin ich von Sinnen?
oder im Gegenteil
Ich fühle mich leben
Weit entfernt von den
vorgedruckten
Versammlungen und vollsynchronisierten
Berichten
Da bin ich gestorben,
das ist die Wahrheit
Und ihr seid es für
mich
In den unterwürfigen
Tänzen
Die das Fleisch
gefrieren lassen
Aber ich fühle mich
leben, weit entfernt davon!
Meine Artgenossen,
das ist die Wahrheit
An diesem plötzlichen
Mittag
Der mich durchstürzt
Und ausräumt, in
meiner Abwesenheit
Auf einem weissen
Laken
Und ausfüllt mit
seiner leuchtenden
Klarheit.
Ciclo das horas do
dia: o meio-dia
(Caspar David
Friedrich: pintor alemão)
O Meio-Dia
Eu, deitado e nu sobre
o lençol
Com meu rosto
cansado, minhas mãos
Meu peito rude, meus
testículos
Sobre um lençol
branco no meio-dia
Que irradia pelas
paredes de cimento
E inunda minhas
cadeiras, meus sapatos vazios
Surpreso pela
repentina
Aparição sem fôlego
De anos e segundos de
susto, deitado e nu
E envolto, um homem
velho
De recordações e
formulários
E não sei de bicho
nem homem
No que se mais
distinguem
Ou de funcionários e
censuras
Da razão superior
Saí do sério? ou pelo
contrário
Me sinto viver
Bem distante das assembleias
conchavadas e
notícias dubladas
Ali estou morto, esta
é a verdade
E vocês o estão para
mim
Nas danças submissas
Que deixam congelar a
carne
Mas eu me sinto
viver, bem longe disto!
Meus congêneres, esta
é a verdade
Neste meio-dia
repentino
Que me invade
E esvazia, à minha
revelia,
Sobre um lençol
branco
E me preenche com sua
lúcida
Clareza.
Referência:
BRAUN, Volker. Der mittag / O meio-dia. Tradução de Rui Rothe-Neves e Georg Wink. In: ROTHE-NEVES, Rui; WINK, Georg (Seleção, tradução e notas). Entre a guerra e o muro: coletânea bilíngue comentada. Belo Horizonte, MG: Tessitura; FALE/UFMG, 2007. Em alemão: p. 63; em português: p. 62.
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário