Estes versos nos
apresentam um monólogo interior do poeta, transcorrido nas movimentadas avenidas
de Manhattan, no dia em que completou 39 anos: trata-se de um olhar percuciente
que, apreendendo o díspar de alhures, volta-se, nostálgico, às suas origens, pois
que se percebe um latino-americano desenraizado em plena Nova Iorque, embora,
ao mesmo tempo, possa reconhecer – e celebrar – o cadinho da diversidade humana
naquela cosmopolita metrópole.
O falante, enquanto mero
espectador temporário em meio àquele fluxo turbilhonante de pessoas – verdadeiro
mosaico humano confrangido entre as linhas dos arranha-céus –, aceita com
serenidade a sua condição de “zero à esquerda”, de que se deduz certa acomodação
às implacáveis cominações de um tempo que transcorre veloz, bem assim aos
limites e eventuais insuficiências do próprio lugar que ocupa no mundo.
J.A.R. – H.C.
Mario Benedetti
(1920-2009)
Cumpleaños en
Manhattan
Todos caminan
yo también camino
es lunes y venimos
con la saliva amarga
mejor dicho
son ellos los que
vienen
a la sombra de no sé
cuántos pisos
millones de
mandíbulas
que mastican su goma
sin embargo son gente
de este mundo
con todo un corazón
bajo el chaleco
hace treinta y nueve
años
yo no estaba
tan solo y tan
rodeado
ni podía mirar a las
queridas
de los innumerables
ex-sargentos
de ex-sargentísimo
Batista
que hoy sacan a mear
sus perros de
abolengo
en las esquinas de la
democracia
hace treinta y nueve
años
allá abajo
más debajo de lo que
hoy se conoce
como Fidel Castro o
como Brasilia
abrí los ojos y
cantaba un gallo
tiene que haber
cantado
necesito
un gallo que le cante
al Empire State Building
con toda su pasión
y la esperanza
de parecer iguales
o de serlo
todos caminan
yo también camino
a veces me detengo
ellos no
no podrían
respiro y me siento
respirar
eso es bueno
tengo sed y me cuesta
diez centavos de
dólar
otro jugo de fruta
con gusto a Guatemala
este cumpleaños
no es
mi verdadero
porque este alrededor
no es
mi verdadero
los cumpliré más
tarde
en febrero o en marzo
con los ojos que
siempre me miraron
las palabras que
siempre me dijeron
con un cielo de ayer
sobre mis hombros
y el corazón
deshilachado y terco
los cumpliré más
tarde
o no los cumplo
pero éste no es mi
verdadero
todos caminan
yo también camino
y cada dos zancadas
poderosas
doy un modesto paso
melancólico
entonces los becarios
colombianos
y los taximetristas
andaluces
y los napolitanos que
venden pizza y cantan
y el mexicano que
aprendió a mascar chicles
y el brasileño de
insolente fotómetro
y la chilena con su amante
gringo
y los puertorriqueños
que pasean
su belicoso miedo
colectivo
miran y reconocen mi
renguera
y ellos también se
aflojan un momento
y dan un solo paso
melancólico
como los autos de la
misma marca
que se hacen una seña
con las luces
nunca estuvo tan
lejos
ese cielo
nunca estuvo tan
lejos
y tan chico
un triángulo
isósceles nublado
que ni siquiera es
una nube entera
tengo unas ganas
cursis
dolorosas
de ver algo de mar
de sentir como llueve
en Andes y Colonia
de oír a mi mujer
diciendo cualquier cosa
de escuchar las
bocinas
y de putear con eco
de conseguir un tango
un pedazo de tango
tocado por cualquiera
que no sea
Kostelanetz
pero también es bueno
sentir alguna vez un
poco de ternura
hacia este chorro
enorme
poderoso
indefenso
de humanidad
dócilmente apurada
con la cruz del
confort sobre su frente
un poco de imprevista
ternura sin raíces
digamos por ejemplo
hacia una madre equis
que ayer en el
zoológico de Central Park
le decía a su niño
con preciosa nostalgia
look Johnny this is a
cow
porque claro
no hay vacas entre
los rascacielos
y otro poco de fe
que es mi único
folklore
para agitar como un
pañuelo blanco
cuando pasen o
simplemente canten
las tres clases de
seres más vivos de este Norte
quiero decir los
negros
las negras
los negritos
todos caminan
pero yo
me he sentado
un yanqui de doce
años me lustra los zapatos
él no sabe que hoy es
mi cumpleaños
ni siquiera que no es
mi verdadero
por mi costado pasan
todos ellos
acaso yo podría ser
un dios provisorio
que contemplara
inerme su rebaño
o podría ser un héroe
más provisorio aún
y disfrutar mis trece
minutos estatuarios
pero todo está claro
y es más dulce
más útil
sobre todo más dulce
reconocer que el
tiempo está pasando
que está pasando el
tiempo y hace ruido
y sentirse de una vez
para siempre
olvidado y tranquilo
como un cero a la
izquierda.
Nueva York,
14 de setiembre de
1959
En: “Poemas del
hoyporhoy” (1958-1961)
Caminhando no meio da
multidão
(Paul Kenton: artista
inglês)
Aniversário em Manhattan
Todos caminham
eu também caminho
é segunda-feira e
vimos com saliva amarga
ou melhor
são eles os que vêm
à sombra de não sei
quantos andares
milhões de mandíbulas
que mascam chiclete
são pessoas deste
mundo ainda assim
com todo um coração
sob o colete
Há trinta e nove anos
eu não estava
tão sozinho nem tão
rodeado
nem era capaz de
olhar para as amantes
dos inumeráveis
ex-sargentos
do ex-sargentíssimo
Batista
que hoje levam seus
cães com pedigree
para mijar nas
esquinas da democracia
Há trinta e nove anos
lá embaixo
mais embaixo do que
hoje se conhece
como Fidel Castro ou
como Brasília
abri os olhos e um
galo cantava
deve ter cantado
preciso de um galo
que cante ao Empire
State Building
com toda a sua paixão
e a esperança
de que pareçam iguais
ou de que venham a sê-lo
todos caminham
eu também caminho
mas às vezes paro
eles não
não poderiam
respiro e sinto-me
a respirar
isso é bom
tenho sede e custa-me
dez cêntimos de dólar
outro suco de fruta
com sabor a Guatemala
este aniversário
não é
o meu verdadeiro
porque este entorno
não é
o meu verdadeiro
celebrá-lo-ei mais
tarde
em fevereiro ou em
março
com os olhos que
sempre me olharam
as palavras que
sempre me disseram
com um céu de ontem
sobre os ombros
e o coração desgastado
e recalcitrante
celebrá-lo-ei mais
tarde
ou não o celebrarei
porém este não é o
meu verdadeiro
todos caminham
eu também caminho
e a cada duas
passadas poderosas
dou um modesto e
melancólico passo
logo aparecem os
bolsistas colombianos
e os taxistas
andaluzes
e os napolitanos que
vendem pizza e cantam
e o mexicano que
aprendeu a mascar chicletes
e o brasileiro com o
insolente fotômetro
e a chilena com o seu
amante gringo
e os porto-riquenhos
que manifestam em público
o seu belicoso medo
coletivo
olham e reconhecem o
meu passo claudicante
e também eles se delongam
por um momento
e dão um único passo
melancólico
como carros da mesma
marca
que sinalizam uns aos
outros com as suas luzes
nunca esteve tão
longe
aquele céu
nunca esteve tão
longe
e tão pequeno
um triângulo
isósceles nublado
que nem sequer é uma
nuvem inteira
tenho uns desejos
ridículos
dolorosos
de ver um pouco de
mar
de sentir a chuva nos
Andes e em Colônia
de escutar minha
mulher dizendo qualquer coisa
de ouvir as buzinas
de praguejar com eco
de conseguir um tango
um excerto de tango
tocado por qualquer
um
que não seja Kostelanetz
mas também é bom
sentir às vezes um
pouco de ternura
por esta enorme
poderosa
indefesa
torrente de
humanidade docilmente apressada
com a cruz do
conforto em sua testa
um pouco de ternura
inesperada e sem raízes
digamos por exemplo
em relação a uma mãe
que ontem no
zoológico do Central Park
dizia a seu filho com
preciosa nostalgia
look Johnny this is a
cow (*)
porque obviamente
não há vacas entre os
arranha-céus
e um outro tanto de
fé
que é o meu único
folclore
para acenar com um
lenço branco
a cada vez que passem
ou simplesmente cantem
as três classes de
seres mais vivos deste Norte
quero dizer os negros
as negras
os negrinhos
todos caminham
mas eu
sentei-me
um ianque de doze
anos engraxa-me os sapatos
ele não sabe que hoje
é o meu aniversário
nem sequer que não é
o meu verdadeiro
por meu lado passam
todos eles
talvez lhes pareça
que eu seja um deus provisório
a contemplar inerme o
seu rebanho
ou um herói mais
provisório ainda
a desfrutar os meus
treze minutos estatuários
mas tudo está claro
e é mais doce
mais útil
sobretudo mais doce
reconhecer que o
tempo está passando
que está passando o
tempo e faz barulho
e sentir-se de uma
vez para sempre
esquecido e tranquilo
como um zero à
esquerda
Nova Iorque,
14 de setembro de
1959
Em: “Poemas do aqui e
agora” (1958-1961)
Nota:
(*). “Veja, Johnny,
isto é uma vaca”.
Referência:
BENEDETTI, Mario.
Cumpleaños en Manhattan. In: __________. Antología poética. Introducción
de Pedro Orgambide. Selección del autor. 4. ed. 8. reimp. Madrid, ES: Alianza Editoral,
2017. p. 73-77.
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