Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Mario Benedetti - Aniversário em Manhattan

Estes versos nos apresentam um monólogo interior do poeta, transcorrido nas movimentadas avenidas de Manhattan, no dia em que completou 39 anos: trata-se de um olhar percuciente que, apreendendo o díspar de alhures, volta-se, nostálgico, às suas origens, pois que se percebe um latino-americano desenraizado em plena Nova Iorque, embora, ao mesmo tempo, possa reconhecer – e celebrar – o cadinho da diversidade humana naquela cosmopolita metrópole.

 

O falante, enquanto mero espectador temporário em meio àquele fluxo turbilhonante de pessoas – verdadeiro mosaico humano confrangido entre as linhas dos arranha-céus –, aceita com serenidade a sua condição de “zero à esquerda”, de que se deduz certa acomodação às implacáveis cominações de um tempo que transcorre veloz, bem assim aos limites e eventuais insuficiências do próprio lugar que ocupa no mundo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mario Benedetti

(1920-2009)

 

Cumpleaños en Manhattan

 

Todos caminan

yo también camino

 

es lunes y venimos con la saliva amarga

mejor dicho

son ellos los que vienen

 

a la sombra de no sé cuántos pisos

millones de mandíbulas

que mastican su goma

sin embargo son gente de este mundo

con todo un corazón bajo el chaleco

 

hace treinta y nueve años

yo no estaba

tan solo y tan rodeado

ni podía mirar a las queridas

de los innumerables ex-sargentos

de ex-sargentísimo Batista

que hoy sacan a mear

sus perros de abolengo

en las esquinas de la democracia

 

hace treinta y nueve años

allá abajo

más debajo de lo que hoy se conoce

como Fidel Castro o como Brasilia

abrí los ojos y cantaba un gallo

tiene que haber cantado

necesito

un gallo que le cante al Empire State Building

con toda su pasión

y la esperanza

de parecer iguales

o de serlo

 

todos caminan

yo también camino

a veces me detengo

ellos no

no podrían

 

respiro y me siento

respirar

eso es bueno

tengo sed y me cuesta

diez centavos de dólar

otro jugo de fruta

con gusto a Guatemala

 

este cumpleaños

no es

mi verdadero

porque este alrededor

no es

mi verdadero

los cumpliré más tarde

en febrero o en marzo

con los ojos que siempre me miraron

las palabras que siempre me dijeron

con un cielo de ayer sobre mis hombros

y el corazón deshilachado y terco

 

los cumpliré más tarde

o no los cumplo

pero éste no es mi verdadero

 

todos caminan

yo también camino

y cada dos zancadas poderosas

doy un modesto paso melancólico

 

entonces los becarios colombianos

y los taximetristas andaluces

y los napolitanos que venden pizza y cantan

y el mexicano que aprendió a mascar chicles

y el brasileño de insolente fotómetro

y la chilena con su amante gringo

y los puertorriqueños que pasean

su belicoso miedo colectivo

miran y reconocen mi renguera

y ellos también se aflojan un momento

y dan un solo paso melancólico

como los autos de la misma marca

que se hacen una seña con las luces

 

nunca estuvo tan lejos

ese cielo

nunca estuvo tan lejos

y tan chico

un triángulo isósceles nublado

que ni siquiera es una nube entera

 

tengo unas ganas cursis

dolorosas

de ver algo de mar

de sentir como llueve en Andes y Colonia

de oír a mi mujer diciendo cualquier cosa

de escuchar las bocinas

y de putear con eco

 

de conseguir un tango

un pedazo de tango

tocado por cualquiera

que no sea Kostelanetz

 

pero también es bueno

sentir alguna vez un poco de ternura

hacia este chorro enorme

poderoso

indefenso

de humanidad dócilmente apurada

con la cruz del confort sobre su frente

un poco de imprevista ternura sin raíces

digamos por ejemplo hacia una madre equis

que ayer en el zoológico de Central Park

le decía a su niño con preciosa nostalgia

look Johnny this is a cow

porque claro

no hay vacas entre los rascacielos

 

y otro poco de fe

que es mi único folklore

para agitar como un pañuelo blanco

cuando pasen o simplemente canten

las tres clases de seres más vivos de este Norte

quiero decir los negros

las negras

los negritos

 

todos caminan

pero yo

me he sentado

un yanqui de doce años me lustra los zapatos

él no sabe que hoy es mi cumpleaños

ni siquiera que no es mi verdadero

por mi costado pasan todos ellos

acaso yo podría ser un dios provisorio

que contemplara inerme su rebaño

o podría ser un héroe más provisorio aún

y disfrutar mis trece minutos estatuarios

 

pero todo está claro

y es más dulce

más útil

sobre todo más dulce

reconocer que el tiempo está pasando

que está pasando el tiempo y hace ruido

y sentirse de una vez para siempre

olvidado y tranquilo

como un cero a la izquierda.

 

Nueva York,

14 de setiembre de 1959

En: “Poemas del hoyporhoy” (1958-1961)

 

Caminhando no meio da multidão

(Paul Kenton: artista inglês)

 

Aniversário em Manhattan

 

Todos caminham

eu também caminho

 

é segunda-feira e vimos com saliva amarga

ou melhor

são eles os que vêm

 

à sombra de não sei quantos andares

milhões de mandíbulas

que mascam chiclete

são pessoas deste mundo ainda assim

com todo um coração sob o colete

 

Há trinta e nove anos

eu não estava

tão sozinho nem tão rodeado

nem era capaz de olhar para as amantes

dos inumeráveis ex-sargentos

do ex-sargentíssimo Batista

que hoje levam seus cães com pedigree

para mijar nas esquinas da democracia

 

Há trinta e nove anos

lá embaixo

mais embaixo do que hoje se conhece

como Fidel Castro ou como Brasília

abri os olhos e um galo cantava

deve ter cantado

preciso de um galo

que cante ao Empire State Building

com toda a sua paixão

e a esperança

de que pareçam iguais

ou de que venham a sê-lo

 

todos caminham

eu também caminho

mas às vezes paro

eles não

não poderiam

 

respiro e sinto-me

a respirar

isso é bom

tenho sede e custa-me

dez cêntimos de dólar

outro suco de fruta

com sabor a Guatemala

 

este aniversário

não é

o meu verdadeiro

porque este entorno

não é

o meu verdadeiro

celebrá-lo-ei mais tarde

em fevereiro ou em março

com os olhos que sempre me olharam

as palavras que sempre me disseram

com um céu de ontem sobre os ombros

e o coração desgastado e recalcitrante

 

celebrá-lo-ei mais tarde

ou não o celebrarei

porém este não é o meu verdadeiro

 

todos caminham

eu também caminho

e a cada duas passadas poderosas

dou um modesto e melancólico passo

 

logo aparecem os bolsistas colombianos

e os taxistas andaluzes

e os napolitanos que vendem pizza e cantam

e o mexicano que aprendeu a mascar chicletes

e o brasileiro com o insolente fotômetro

e a chilena com o seu amante gringo

e os porto-riquenhos que manifestam em público

o seu belicoso medo coletivo

olham e reconhecem o meu passo claudicante

e também eles se delongam por um momento

e dão um único passo melancólico

como carros da mesma marca

que sinalizam uns aos outros com as suas luzes

 

nunca esteve tão longe

aquele céu

nunca esteve tão longe

e tão pequeno

um triângulo isósceles nublado

que nem sequer é uma nuvem inteira

 

tenho uns desejos ridículos

dolorosos

de ver um pouco de mar

de sentir a chuva nos Andes e em Colônia

de escutar minha mulher dizendo qualquer coisa

de ouvir as buzinas

de praguejar com eco

 

de conseguir um tango

um excerto de tango

tocado por qualquer um

que não seja Kostelanetz

 

mas também é bom

sentir às vezes um pouco de ternura

por esta enorme

poderosa

indefesa

torrente de humanidade docilmente apressada

com a cruz do conforto em sua testa

um pouco de ternura inesperada e sem raízes

digamos por exemplo em relação a uma mãe

que ontem no zoológico do Central Park

dizia a seu filho com preciosa nostalgia

look Johnny this is a cow (*)

porque obviamente

não há vacas entre os arranha-céus

 

e um outro tanto de fé

que é o meu único folclore

para acenar com um lenço branco

a cada vez que passem ou simplesmente cantem

as três classes de seres mais vivos deste Norte

quero dizer os negros

as negras

os negrinhos

 

todos caminham

mas eu

sentei-me

um ianque de doze anos engraxa-me os sapatos

ele não sabe que hoje é o meu aniversário

nem sequer que não é o meu verdadeiro

por meu lado passam todos eles

talvez lhes pareça que eu seja um deus provisório

a contemplar inerme o seu rebanho

ou um herói mais provisório ainda

a desfrutar os meus treze minutos estatuários

 

mas tudo está claro

e é mais doce

mais útil

sobretudo mais doce

reconhecer que o tempo está passando

que está passando o tempo e faz barulho

e sentir-se de uma vez para sempre

esquecido e tranquilo

como um zero à esquerda

 

Nova Iorque,

14 de setembro de 1959

Em: “Poemas do aqui e agora” (1958-1961)

 

Nota:

 

(*). “Veja, Johnny, isto é uma vaca”.

 

Referência:

 

BENEDETTI, Mario. Cumpleaños en Manhattan. In: __________. Antología poética. Introducción de Pedro Orgambide. Selección del autor. 4. ed. 8. reimp. Madrid, ES: Alianza Editoral, 2017. p. 73-77.

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