Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Mary Karr - Falácia Patética

Em torno da dor de se perder um ente querido – no caso em questão, a genitora da falante –, estes versos expressam um desejo de se manter conexão com aqueles que se foram, pois que a morte não representaria, necessariamente, o rompimento completo do convívio, senão apenas uma espécie de variante na forma de relacionamento.

 

A menção à obra “A Náusea”, do filósofo Sartre (1905-1980), tem forte conexão com o tema do poema, uma vez que, em suas páginas, o protagonista Roquentin expressa semelhante sensação de angústia existencial, num mundo de contingências em que, cada qual, acha-se livre para atribuir sentidos à sua própria existência.

 

Há que se enfrentar o vazio essencial, a aparente falta de motivos para que as coisas sejam como são – quase um fardo quotidiano. E o modo como a poetisa se desembaraça de tal encargo é mantendo vivas as memórias da mãe, marcantes a ponto de induzir-lhe a sensação de sua presença a cada instante, insuflando-lhe ânimo para continuar na lida de sua transformação interior.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mary Karr

(n. 1955)

 

Pathetic Fallacy

 

When it became impossible to speak to you

due to your having died and been incinerated,

I sometimes held the uncradled phone

 

with its neat digits and arcane symbols (crosshatch,

black star) as if embedded in it

were some code I could punch in

 

to reach you. You bequeathed me

this morbid bent, Mother.

Who gives her sixth-grade daughter

 

Sartre’s Nausea to read? All my life,

I watched you face the void,

leaning into it as a child with a black balloon

 

will bury her countenance

either to hide from

or to merge with that darkness.

 

Small wonder that still

in the invisible scrim of air

that delineates our separate worlds,

 

your features sometimes press toward me

all silvery from the afterlife, woven in wind,

to whisper a caution. Or your hand on my back

 

shoves me into my life.

 

Mãe e filha

(Lubna Al-Lahham: artista jordaniana)

 

Falácia Patética

 

Quando se tornou impossível falar contigo

devido ao fato de teres morrido e sido incinerada,

por vezes, segurava o telefone fora da base

 

com os seus dígitos legíveis e símbolos arcanos (cerquilha,

estrela negra) como se nele estivesse embutido

um código que eu pudesse digitar

 

para te contactar. Legaste-me

esta inclinação mórbida, Mãe.

Quem dá a ler à sua filha da sexta série

 

o livro A Náusea, do Sartre? Durante toda a minha vida,

vi-te encarar o vazio, a ele

inclinando-te feito uma criança com um balão negro

 

a encobrir-lhe o semblante

ou bem para se esconder

ou bem para se fundir com esse negror.

 

Não é de admirar que, ainda

na invisível cortina de ar

que delimita os nossos mundos separados,

 

as tuas feições por vezes se aproximem de mim,

todas prateadas pela vida pós-morte, tecidas ao vento,

para sussurrar-me um aviso. Ou as tuas mãos às minhas costas

 

se firmem para impelir-me ao interior da minha vida.

 

Referência:

 

KARR, Mary. Pathetic fallacy. In: __________. Sinners welcome: poems. New York, NY: HarperCollins Publishers Inc., sept. 2007. p. 1. (“HarperCollins e-books”)

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