Em torno da dor de se
perder um ente querido – no caso em questão, a genitora da falante –, estes
versos expressam um desejo de se manter conexão com aqueles que se foram, pois
que a morte não representaria, necessariamente, o rompimento completo do convívio,
senão apenas uma espécie de variante na forma de relacionamento.
A menção à obra “A
Náusea”, do filósofo Sartre (1905-1980), tem forte conexão com o tema do poema,
uma vez que, em suas páginas, o protagonista Roquentin expressa semelhante
sensação de angústia existencial, num mundo de contingências em que, cada qual,
acha-se livre para atribuir sentidos à sua própria existência.
Há que se enfrentar o
vazio essencial, a aparente falta de motivos para que as coisas sejam como são –
quase um fardo quotidiano. E o modo como a poetisa se desembaraça de tal
encargo é mantendo vivas as memórias da mãe, marcantes a ponto de induzir-lhe a
sensação de sua presença a cada instante, insuflando-lhe ânimo para continuar
na lida de sua transformação interior.
J.A.R. – H.C.
Mary Karr
(n. 1955)
Pathetic Fallacy
When it became
impossible to speak to you
due to your having
died and been incinerated,
I sometimes held the
uncradled phone
with its neat digits
and arcane symbols (crosshatch,
black star) as if
embedded in it
were some code I
could punch in
to reach you. You
bequeathed me
this morbid bent,
Mother.
Who gives her
sixth-grade daughter
Sartre’s Nausea
to read? All my life,
I watched you face
the void,
leaning into it as a
child with a black balloon
will bury her
countenance
either to hide from
or to merge with that
darkness.
Small wonder that
still
in the invisible
scrim of air
that delineates our
separate worlds,
your features
sometimes press toward me
all silvery from the
afterlife, woven in wind,
to whisper a caution.
Or your hand on my back
shoves me into my
life.
Mãe e filha
(Lubna Al-Lahham:
artista jordaniana)
Falácia Patética
Quando se tornou impossível
falar contigo
devido ao fato de
teres morrido e sido incinerada,
por vezes, segurava o
telefone fora da base
com os seus dígitos
legíveis e símbolos arcanos (cerquilha,
estrela negra) como
se nele estivesse embutido
um código que eu pudesse
digitar
para te contactar.
Legaste-me
esta inclinação
mórbida, Mãe.
Quem dá a ler à sua
filha da sexta série
o livro A Náusea,
do Sartre? Durante toda a minha vida,
vi-te encarar o
vazio, a ele
inclinando-te feito
uma criança com um balão negro
a encobrir-lhe o
semblante
ou bem para se
esconder
ou bem para se fundir
com esse negror.
Não é de admirar que,
ainda
na invisível cortina
de ar
que delimita os
nossos mundos separados,
as tuas feições por
vezes se aproximem de mim,
todas prateadas pela
vida pós-morte, tecidas ao vento,
para sussurrar-me um
aviso. Ou as tuas mãos às minhas costas
se firmem para impelir-me
ao interior da minha vida.
Referência:
KARR, Mary. Pathetic fallacy.
In: __________. Sinners welcome: poems. New York, NY: HarperCollins Publishers
Inc., sept. 2007. p. 1. (“HarperCollins e-books”)
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