A voz poética se
questiona como algo aparentemente “tão pouco necessário ao mundo” como a poesia
pode ter um lugar suficientemente sólido e fundamentado entre as artes e na
construção mesma da linguagem: sugere a falante que, sem a poesia, as palavras
e sua capacidade de designar e nomear as coisas se desvaneceriam, deixando-nos
incapazes de apreender e compreender o mundo que nos rodeia, pela perda progressiva
de seus significados.
A poesia, por certo,
com o seu poder ao mesmo tempo evocativo e delimitador, a desafiar os sentidos em
sincronia com o intelecto, é ferramenta de construção de realidades, não mero
ornamento dispensável atrelado a um sentido utilitário ou prático: ao erigir
uma galáxia simbólica, ela nos convida a uma experiência estética e cognitiva multímoda,
plena de pasmos e de insuspeitadas conexões.
J.A.R. – H.C.
Marly de Oliveira
(1935-2007)
On demande comment (*)
a poesia, tão pouco
necessária ao mundo,
tenha parte tão
sólida entre as artes,
tenha parte tão sólida
na construção da
linguagem;
sem ela, uma caixa
vazia,
uma caixa com fendas
de onde
escapasse qualquer
coisa, mesmo a água,
de onde escapasse
cada letra e depois a palavra
que designa esta
imagem da caixa
e assim por diante
até que se ficasse
olhando o chão sem
dar nome à semente,
a ferramenta de uma
construção
que pode ser, quem
sabe, o teto
de uma casa um
castelo um poema,
desafiando todos os
sentidos,
remetendo ao
intelecto.
A transeunte
(Félix Vallotton:
pintor suíço)
Nota:
(*). “On demande comment”: “Perguntamo-nos como”, em francês; como se observa,
o título do poema se integra ao próprio poema, à maneira de um verso, dando
continuidade aos questionamentos nele suscitados.
Referência:
OLIVEIRA, Marly de. On
demande comment. In: __________. Antologia poética. Organização e
prefácio por João Cabral de Melo Neto. 1. ed., 2. reimp. Rio de Janeiro, RJ:
Nova Fronteira, 1997. p. 236.
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