Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Marly de Oliveira - On demande comment

A voz poética se questiona como algo aparentemente “tão pouco necessário ao mundo” como a poesia pode ter um lugar suficientemente sólido e fundamentado entre as artes e na construção mesma da linguagem: sugere a falante que, sem a poesia, as palavras e sua capacidade de designar e nomear as coisas se desvaneceriam, deixando-nos incapazes de apreender e compreender o mundo que nos rodeia, pela perda progressiva de seus significados.

 

A poesia, por certo, com o seu poder ao mesmo tempo evocativo e delimitador, a desafiar os sentidos em sincronia com o intelecto, é ferramenta de construção de realidades, não mero ornamento dispensável atrelado a um sentido utilitário ou prático: ao erigir uma galáxia simbólica, ela nos convida a uma experiência estética e cognitiva multímoda, plena de pasmos e de insuspeitadas conexões.

 

J.A.R. – H.C.

 

Marly de Oliveira

(1935-2007)

 

On demande comment (*)

 

a poesia, tão pouco necessária ao mundo,

tenha parte tão sólida entre as artes,

tenha parte tão sólida

na construção da linguagem;

sem ela, uma caixa vazia,

uma caixa com fendas de onde

escapasse qualquer coisa, mesmo a água,

de onde escapasse cada letra e depois a palavra

que designa esta imagem da caixa

e assim por diante até que se ficasse

olhando o chão sem dar nome à semente,

a ferramenta de uma construção

que pode ser, quem sabe, o teto

de uma casa um castelo um poema,

desafiando todos os sentidos,

remetendo ao intelecto.

 

A transeunte

(Félix Vallotton: pintor suíço)

 

Nota:

 

(*). “On demande comment”: “Perguntamo-nos como”, em francês; como se observa, o título do poema se integra ao próprio poema, à maneira de um verso, dando continuidade aos questionamentos nele suscitados.

 

Referência:

 

OLIVEIRA, Marly de. On demande comment. In: __________. Antologia poética. Organização e prefácio por João Cabral de Melo Neto. 1. ed., 2. reimp. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1997. p. 236.

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