Neste poema de Faccioni,
a fluidez das imagens e a justaposição de contrastes criam uma atmosfera de
incerteza e de mudança, a desafiar a atenção do leitor para que reexamine as
próprias percepções que tem do mundo, vale dizer, sobre a natureza dual da
realidade e, mais amplamente, sobre a experiência humana.
Entre redigir um
poema e escrever outro, entre aquilo que é pessoal e o que é público, entre a
lentidão e a velocidade, entre o familiar e o estranho, entre o ordinário e o
transcendental, entre as perguntas e as respostas, entre o princípio e o final:
sob tais condições cambiantes imprevisíveis, tudo pode convergir para uma sensação
de desorientação – até mesmo naqueles que, como os artífices da palavra, dependem
da criatividade e da expressividade artística para afiliarem-se com méritos à casa
da poesia.
J.A.R. – H.C.
Mauro Faccioni Filho
(n. 1962)
Primeiro Princípio da
Dualidade
sentei para escrever
um poema e escrevi outro
sob os lençóis se mexeram
seus pés nus
num livro – entre
duas folhas – faltou a palavra
que na manhã seguinte
estampou os jornais
a gota de sêmen – a
peregrina lenta
enquanto aviões
cruzaram o céu azul
a mesma rua que
guardava em uma lembrança
surgiu numa manhã –
bem longe da sua origem
e as placas estavam
nos mesmos lugares marcados
mas vieram escritas
numa língua estranha
sofrendo pela
avalanche de perguntas sem respostas
você veio tocar-me a
nuca sussurrando
e o que começou de um
jeito acabou de outro
queimando verdades e
véus e se apagando
A despedida de
Telêmaco e Eucharis
(Jacques-Louis David:
pintor francês)
Referência:
FACCIONI FILHO, Mauro.
Primeiro princípio da dualidade. In: DEMARCHI, Ademir (Organização, Seleção e
Apresentação). 101 poetas paranaenses: antologia de escritas poéticas do
século XIX ao XXI; v. 2: 1959-1993. Curitiba, PR: Secretaria de Estado da
Cultura; Biblioteca Pública do Paraná, 2014. p. 103. (‘Biblioteca Paraná’)
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