Em duas seções, este
poema de Dib aponta tanto para o passado – aquilo de que o viajante se
distancia, a saber, memórias e experiências familiares de um passado que se desvanece
–, quanto para o futuro – sobre as razões de se viver num mundo marcado por
incertezas, onde, decerto, a pureza e a inocência se perderão pelo caminho, muito
embora a liberdade e o próprio destino sejam, de início, o que de mais determinante
se tenha em vista.
Do tom melancólico da
primeira seção ao esperançoso da segunda, vislumbra-se um outro modo de vida no
exílio, a braços dados com a verdade, perscrutando-se os perigos da jornada ao
amparo das necessárias cautelas, para não se esmorecer ante os desafios e
obstáculos que, invariavelmente, costumam levar o corpo até as lindes do
cansaço e do esgotamento.
J.A.R. – H.C.
Mohammed Dib
(1920-2003)
A un voyageur
à Pierre Seghers
1. lieu de mémoire
entre les maisons du
jour
et les feux de
dernière main
ressac de splendeurs
sur les collines
dont la cendre
colporte le souvenir
la saison a flambé
derrière toi
le soleil s’écaille à
te chercher
c’est le temps opaque
de la terre
c’est le temps de la
suie étalée
un archipel noir et
perdu
de doutes se hâte de
souffler
la dernière lampe allumée
qui délire dans les
dunes du nord
2. pour vivre
l’or de la fatigue
peut-être
l’arme candide muette
plus loin
l’entre-temps d’une
neige
annoncée à cris
dévorants
ce songe de vérité
peut-être
son aurore aux mains
de louve
tu vas avec d’autres
gestes
recevoir ton exil
d’une blancheur
habitée par quelques
oiseaux
O homem viageiro
(Peter Williams:
pintor inglês)
A um viajante
a Pierre Seghers
1. lugar da
memória
entre as casas do dia
e os fogos de última
hora
ressaca de
esplendores sobre as colinas
cujas cinzas difundem
a memória
a estação resplandeceu
atrás de ti
o sol descasca-se à
tua procura
é o tempo opaco da
terra
é o tempo da fuligem
espalhada
um arquipélago negro
e perdido
de dúvidas apressa-se
em apagar
a derradeira lâmpada
acesa
que delira nas dunas
do norte
2. para viver
o ouro da fadiga porventura
a cândida e muda arma
mais à frente
o intervalo de uma
nevasca
anunciada a gritos devoradores
quiçá esse sonho de
verdade
sua aurora em mãos de
loba
tu vais com outros gestos
receber teu exílio de
uma brancura
habitada por alguns
pássaros
Referência:
DIB, Mohammed. A un voyageur. In: CAWS, Mary Ann (Ed.). The Yale anthology of twentieth-century french poetry. 3. 1931–1945: Prewar and war poetry. Bilingual edition: French and English. New Haven, CT: Yale University Press, 2004. p. 300.
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