Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 1 de março de 2025

Mohammed Dib - A um viajante

Em duas seções, este poema de Dib aponta tanto para o passado – aquilo de que o viajante se distancia, a saber, memórias e experiências familiares de um passado que se desvanece –, quanto para o futuro – sobre as razões de se viver num mundo marcado por incertezas, onde, decerto, a pureza e a inocência se perderão pelo caminho, muito embora a liberdade e o próprio destino sejam, de início, o que de mais determinante se tenha em vista.

 

Do tom melancólico da primeira seção ao esperançoso da segunda, vislumbra-se um outro modo de vida no exílio, a braços dados com a verdade, perscrutando-se os perigos da jornada ao amparo das necessárias cautelas, para não se esmorecer ante os desafios e obstáculos que, invariavelmente, costumam levar o corpo até as lindes do cansaço e do esgotamento.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mohammed Dib

(1920-2003)

 

A un voyageur

 

à Pierre Seghers

 

1. lieu de mémoire

 

entre les maisons du jour

et les feux de dernière main

ressac de splendeurs sur les collines

dont la cendre colporte le souvenir

la saison a flambé derrière toi

le soleil s’écaille à te chercher

c’est le temps opaque de la terre

c’est le temps de la suie étalée

un archipel noir et perdu

de doutes se hâte de souffler

la dernière lampe allumée

qui délire dans les dunes du nord

 

2. pour vivre

 

l’or de la fatigue peut-être

l’arme candide muette plus loin

l’entre-temps d’une neige

annoncée à cris dévorants

ce songe de vérité peut-être

son aurore aux mains de louve

tu vas avec d’autres gestes

recevoir ton exil d’une blancheur

habitée par quelques oiseaux

 

O homem viageiro

(Peter Williams: pintor inglês)

 

A um viajante

 

a Pierre Seghers

 

1. lugar da memória

 

entre as casas do dia

e os fogos de última hora

ressaca de esplendores sobre as colinas

cujas cinzas difundem a memória

a estação resplandeceu atrás de ti

o sol descasca-se à tua procura

é o tempo opaco da terra

é o tempo da fuligem espalhada

um arquipélago negro e perdido

de dúvidas apressa-se em apagar

a derradeira lâmpada acesa

que delira nas dunas do norte

 

2. para viver

 

o ouro da fadiga porventura

a cândida e muda arma mais à frente

o intervalo de uma nevasca

anunciada a gritos devoradores

quiçá esse sonho de verdade

sua aurora em mãos de loba

tu vais com outros gestos

receber teu exílio de uma brancura

habitada por alguns pássaros

 

Referência:

 

DIB, Mohammed. A un voyageur. In: CAWS, Mary Ann (Ed.). The Yale anthology of twentieth-century french poetry. 3. 1931–1945: Prewar and war poetry. Bilingual edition: French and English. New Haven, CT: Yale University Press, 2004. p. 300.

 

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