Em torno do tema do
luto, Dove explora a dor profunda que a ausência de um ente querido suscita em
quem lhe conheceu em vida, ou ainda, o vazio emocional que nem mesmo a casa
cheia de gente é capaz de preencher: as imagens dos cômodos “ávidos” de serem
ocupados, de objetos que antes eram utilizados pelo finado, são como que o espelho
tangível da sensação de desorientação e de desconforto experimentado pela voz
lírica.
Enquanto os outros
permanecem no andar de baixo da casa, tentando preencher o silêncio com
lágrimas, a falante, deitando-se no leito de morte, retira-se para dentro de si
mesma – qual feto num útero –, regressando a um estado de inocência e de vulnerabilidade,
envolta pela comoção da partida do morto, como se estivesse a palmilhar toda a
trilha da ausência que este deixou para trás.
Dormir e sonhar
tornam-se os seus únicos refúgios, suas únicas rotas de fuga – ainda que algo
involuntárias –, a despeito de que, mesmo sob tais domínios, ou melhor, nos
recessos do sono, a ausência de quem partiu não lhe deixa de assombrar o
espírito.
J.A.R. – H.C.
Rita Dove
(n. 1952)
The Wake
Your absence
distributed itself
like an invitation.
Friends and relatives
kept coming, trying
to fill up the house.
But the rooms still
gaped –
the green hanger
swang empty, and
the head of the table
demanded a plate.
When I sat down in the
armchair
your warm breath fell
over my shoulder.
When I climbed to bed
I walked
through your blind
departure.
The others stayed
downstairs,
trying to cover
the silence with
weeping.
When I lay down
between the sheets
I lay down in the
cool waters
of my own womb
and became the child
inside, innocuous
as a button,
helplessly growing.
I slept because it
was the only
thing I could do. I
even dreamed.
I couldn’t stop
myself.
O Velório
(José María Jara:
pintor mexicano)
O Velório
A tua ausência
distribuiu-se
como um convite.
Os amigos e os
parentes
não paravam de
chegar, tentando
encher a casa.
Mas os cômodos mantinham-se
acessíveis –
o cabideiro verde
balançava vazio, e
a cabeceira da mesa
exigia um prato.
Quando me sentei na
poltrona,
teu hálito quente precipitou-se
sobre meu ombro.
Quando subi à cama, presenciei
por completo tua
partida às cegas.
Os outros ficaram no andar
de baixo,
tentando superar
o silêncio com o
pranto.
Quando me deitei
entre os lençóis,
imergi nas águas frescas
do meu próprio ventre
e tornei-me a criança
que estava lá dentro,
inócua
como um botão, a
crescer indefesa.
Dormi porque era a
única
coisa que poderia
fazer. Até sonhei.
Não fui capaz de me
tolher.
Referência:
DOVE, Rita. The wake.
In: YOUNG, Kevin (Ed.). The art of losing: poems of grief & healing.
1st ed. New York, NY: Bloomsbury, 2010. p. 6.
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