Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 30 de março de 2025

Rita Dove - O Velório

Em torno do tema do luto, Dove explora a dor profunda que a ausência de um ente querido suscita em quem lhe conheceu em vida, ou ainda, o vazio emocional que nem mesmo a casa cheia de gente é capaz de preencher: as imagens dos cômodos “ávidos” de serem ocupados, de objetos que antes eram utilizados pelo finado, são como que o espelho tangível da sensação de desorientação e de desconforto experimentado pela voz lírica.

 

Enquanto os outros permanecem no andar de baixo da casa, tentando preencher o silêncio com lágrimas, a falante, deitando-se no leito de morte, retira-se para dentro de si mesma – qual feto num útero –, regressando a um estado de inocência e de vulnerabilidade, envolta pela comoção da partida do morto, como se estivesse a palmilhar toda a trilha da ausência que este deixou para trás.

 

Dormir e sonhar tornam-se os seus únicos refúgios, suas únicas rotas de fuga – ainda que algo involuntárias –, a despeito de que, mesmo sob tais domínios, ou melhor, nos recessos do sono, a ausência de quem partiu não lhe deixa de assombrar o espírito.

 

J.A.R. – H.C.

 

Rita Dove

(n. 1952)

 

The Wake

 

Your absence distributed itself

like an invitation.

Friends and relatives

kept coming, trying

to fill up the house.

But the rooms still gaped –

the green hanger swang empty, and

the head of the table

demanded a plate.

 

When I sat down in the armchair

your warm breath fell

over my shoulder.

When I climbed to bed I walked

through your blind departure.

The others stayed downstairs,

trying to cover

the silence with weeping.

 

When I lay down between the sheets

I lay down in the cool waters

of my own womb

and became the child

inside, innocuous

as a button, helplessly growing.

I slept because it was the only

thing I could do. I even dreamed.

I couldn’t stop myself.

 

O Velório

(José María Jara: pintor mexicano)

 

O Velório

 

A tua ausência distribuiu-se

como um convite.

Os amigos e os parentes

não paravam de chegar, tentando

encher a casa.

Mas os cômodos mantinham-se acessíveis –

o cabideiro verde balançava vazio, e

a cabeceira da mesa

exigia um prato.

 

Quando me sentei na poltrona,

teu hálito quente precipitou-se

sobre meu ombro.

Quando subi à cama, presenciei

por completo tua partida às cegas.

Os outros ficaram no andar de baixo,

tentando superar

o silêncio com o pranto.

 

Quando me deitei entre os lençóis,

imergi nas águas frescas

do meu próprio ventre

e tornei-me a criança

que estava lá dentro, inócua

como um botão, a crescer indefesa.

Dormi porque era a única

coisa que poderia fazer. Até sonhei.

Não fui capaz de me tolher.

 

Referência:

 

DOVE, Rita. The wake. In: YOUNG, Kevin (Ed.). The art of losing: poems of grief & healing. 1st ed. New York, NY: Bloomsbury, 2010. p. 6.

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