Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 27 de março de 2025

Charles Wright - Autorretrato

Este é um dos vários poemas redigidos pelo poeta norte-americano a mesmo título, cada qual com uma particularidade que o torna singular: os versos infratranscritos revelam a dificuldade do falante em autodefinir-se, talvez com receio de ser descoberto em eventual ausência do que lhe seja genuíno, aparentando ser alguém que, de fato, não é.

 

Nos limiares da verdade ou da revelação, ainda há muito desacerto e ocultamento, daí o clamor por uma mão-guia providencial, não se sabe ao certo se de natureza transcendente, mas que lhe seja como um recurso para atingir uma autêntica identidade ou autenticidade, um “eu” em comunhão com o entorno, orientado por uma atmosfera de beleza e serenidade.

 

J.A.R. – H.C.

 

Charles Wright

(n. 1935)

 

Self-Portrait

 

Someday they’ll find me out, and my lavish hands,

Full moon at my back, fog groping the gone horizon,

the edge

Of the continent scored in yellow, expectant lights,

White shoulders of surf, a wolf-colored sand,

The ashes and bits of char that will clear my name.

 

Till then, I’ll hum to myself and settle the whereabouts,

Jade plants and oleander float in a shine.

The leaves of the pepper tree turn green.

My features are sketched with black ink in a slow drag

through the sky,

Waiting to be filled in.

 

Hand that lifted me once, lift me again,

Sort me and flesh me out, fix my eyes,

From the mulch and the undergrowth, protect me and

pass me on.

From my own words and my certainties,

From the rose and the easy check, deliver me, pass me on.

 

Autorretrato Contemporâneo

(Tran Tuan: artista vietnamita)

 

Autorretrato

 

Um dia vão descobrir-me, e as minhas mãos pródigas,

A lua cheia às minhas costas, a névoa a tatear o horizonte

perdido, a orla

Do continente traçada em amarelo, luzes expectantes,

As espáduas brancas da espuma do mar, uma areia cor de lobo,

As cinzas e os pedaços de carvão que hão de resgatar

o meu nome.

 

Até lá, vou cantarolar para mim mesmo e definir em que sítio,

Plantas de jade e loendros flutuam num fulgor.

As folhas da pimenteira tornam-se verdes.

Minhas feições esboçam-se com tinta preta num lento

arrasto pelo céu,

À espera de serem preenchidas.

 

Mão que me ergueu uma vez, ergue-me novamente,

Identifica-me e dá-me corpo, fixa meus olhos.

Do húmus e da vegetação rasteira, protege-me e

guia-me adiante.

De minhas próprias palavras e das minhas certezas,

Da rosa e da falsa segurança, liberta-me, guia-me adiante.

 

Referência:

 

WRIGHT, Charles. Self-portrait. In: VENDLER, Helen (Ed.). Poems, poets, poetry: an introduction and anthology / Constructing a self. Boston, MA: Bedford Books (A Division of St. Martin’s Press), 1997. p. 208.

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