O poeta dedica-se a descrever
poeticamente a relação de comensalismo entre os peixes-piloto e os tubarões,
centrada numa aparente confiança que se estabelece sob uma dinâmica de
desigualdade: de um lado, o “fleumático” e “pálido” esqualo – “devorador de
hórrida carne” –; de outro, os “azuis e esguios” remeiros – amigáveis
condutores do “rabugento” até as suas presas.
O retrato do tubarão pincelado
por Melville contém imagens macabras desse terrível devorador das Maldivas – “cabeça
gorgónea”, “dentes serrilhados”, “estômago sepulcral” –, o que parece não intimidar
os acompanhantes, a despeito de todo o perigo à espreita: potenciais
adversários, ambos os lados encontram forma de coexistência harmônica, numa convivência
amistosa que, à primeira vista, teria tudo para ocorrer num cenário de
hostilidades.
J.A.R. – H.C.
Herman Melville
(1819-1891)
The Maldive Shark
About the Shark,
phlegmatical one,
Pale sot of the
Maldive sea,
The sleek little
pilot-fish, azure and slim,
How alert in
attendance be.
From his saw-pit of
mouth, from his charnel of maw
They have nothing of
harm to dread,
But liquidly glide on
his ghastly flank
Or before his
Gorgonian head;
Or lurk in the port
of serrated teeth
In white triple tiers
of glittering gates,
And there find a
haven when peril’s abroad,
An asylum in jaws of
the Fates!
They are friends; and
friendly they guide him to prey,
Yet never partake of
the treat –
Eyes and brains to
the dotard lethargic and dull,
Pale ravener of
horrible meat.
In: “John Marr and
Other Sailors” (1888)
Um grande tubarão
branco macho e peixes-piloto
(Todd Winner:
fotógrafo norte-americano)
O Tubarão das
Maldivas
Rodeando do Tubarão,
fleumático,
Ébrio pálido do mar
das Maldivas,
Os pequenos, insinuantes
peixes-piloto, azuis e esguios,
Quão alerta o seguem.
Da sua boca
serrilhada, do seu estômago sepulcral
Nada têm a temer
Mas liquidamente
deslizam sobre o seu pálido flanco
Ou frente à sua
cabeça gorgónea;
Ou abrigam-se no
porto de seus dentes serrilhados
Em brancas triplas
fileiras de cintilantes cancelas,
E aí encontram
proteção quando o perigo espreita,
Um asilo nas fauces
das Parcas!
São amigos; e
amigáveis conduzem-no à presa,
E jamais partilham o
festim –
Olhos e cérebro para
o rabugento, letárgico e torpe,
Pálido devorador de
hórrida carne.
Em: “John Marr e
Outros Marinheiros” (1888)
Referência:
MELVILLE, Herman. The
Maldive shark / O tubarão das Maldivas. Tradução de Mário Avelar. In:
__________. Poemas. Selecção, tradução e introdução de Mário Avelar.
Lisboa, PT: Assírio & Alvim, mar. 2009. Em inglês: p. 50; em português: p.
51.
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