Na busca pelo pleno
ressignificado do quotidiano, em sua luta contra as adversidades desta jornada pelas
sendas do mundo, o poeta percebe-se uma esfinge, ou ainda, uma “névoa púrpura”
a cingir as grandes linhas de sua própria identidade: na incerteza e na
ambiguidade, misteriosa e transcendente, paira a “entidade poética”, capaz de
adentrar corações e mentes, levando consigo esperanças e lembranças.
Enigmática e ambivalente, vai ela imbricada a uma dualidade intrínseca, a meio caminho entre a loucura e a criatividade, podendo causar ruínas, mas também trazer alegria e libertação: num mar agitado e entre voragens, vagueia o falante por esse campo exploratório que caracteriza a vida, intentando transformar o marginal – o meramente trivial – em algo significativo, tocado por súbita beleza.
J.A.R. – H.C.
Cassiano Russo
(n. 1986)
Entidade poética
Das miuçalhas cia
vida, faz-se uma tempestade.
Das migalhas do lixo,
um banquete de rei!
Para quem vive e nada
espera de nada, tudo é um bem.
As inverdades, os
desperdícios, as frustrações e os vícios!
Vivemos em mar
revolto e em furacões aos gritos.
Somos argonautas,
viajantes, andarilhos.
Perdidos no tempo,
entre os espaços infinitos.
Arre!
Adiante!
Sou como o absinto.
Enveneno as almas
E alegro os
introvertidos!
Janota à paisana em
becos com cheiro de bagana.
Sou uma entidade a
adentrar em corpos levando a esperança.
Sou uma névoa
púrpura.
Uma incerteza.
Uma dúvida.
Uma lembrança.
Um lobo uiva:
memórias de um poeta
(Dia Al-Azzawi: artista
iraquiano)
Referência:
AMARAL, Cassiano Clemente Russo do. Entidade poética. In: MARTINS, Gonçalo (Seleção); FACCHINI, Mayara (Organização). Além da terra, além do céu: antologia paulista de poesia contemporânea. 1. ed. Lisboa, PT: Chiado Editores, out. 2015. p. 47. (Coleção ‘Prazeres Poéticos’)
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