Numa visão crua e
melancólica, Rilke explora nestes versos a desumanização e a alienação dos
indivíduos nas sociedades contemporâneas, especialmente sob a luz artificial da
noite, quando se dão interações sociais pautadas pela superficialidade, nas quais
se dilui ainda mais aquilo que nos resta de exclusivo e peculiar, pouco ou nada
a nos diferenciar da grande massa.
À luz das palavras do
poeta, em vez de momentos de conexão externa, dos quais resultam, quase que invariavelmente,
interações humanas distorcidas, inautênticas, despersonalizadas, quando não
desfeitas pela flagrante efemeridade – já que, a seu ver, a noite implicaria uma separação espacial e
emocional entre as pessoas, que se contrapõe à dinâmica social –, deveríamos empregá-la
para as nossas reflexões interiores, para nos tornarmos mais resilientes e até
mais éticos aos nos aproximarmos de alguém, quaisquer que sejam os interesses que tenhamos em vista.
J.A.R. – H.C.
Rainer Maria Rilke
(1875-1926)
Die Nächte sind nicht
für die Menge gemacht.
Von deinem Nachbar
trennt dich die Nacht,
und du sollst ihn
nicht suchen trotzdem.
Und machst du nachts
deine Stube licht,
um Menschen zu
schauen ins Angesicht,
so musst du bedenken:
wem.
Die Menschen sind
furchtbar vom Licht entstellt,
das von ihren
Gesichtern träuft,
und haben sie nachts
sich zusammengesellt,
so schaust du eine
wankende Welt
durcheinandergehäuft.
Auf ihren Stirnen hat
gelber Schein
alle Gedanken
verdrängt,
in ihren Blicken
flackert der Wein,
an ihren Händen hängt
die schwere Gebärde,
mit der sie sich
bei ihren Gesprächen
verstehn;
und dabei sagen sie: Ich
und Ich
und meinen:
Irgendwen.
Em frente ao café
(Berlim à noite)
(Lesser Ury: pintor
alemão)
Homens na Noite
As noites não são
feitas para a turba.
De teu vizinho
aparta-te a noturna
treva, e na treva o
não procurarás.
Se à noite fazes luz
em tua casa
a fim de olhar os
homens bem na face,
pergunta-te antes
quais.
À noite os homens são
desfigurados
pela luz que lhes
rora do semblante,
e se os vires então
aglomerados
verás confusamente
amontoado
um mundo vacilante.
Das frontes num
clarão amarelado
os pensamentos vão
fugindo; têm o olhar
aguardentado;
pendem de cada mão
pesados gestos, com
os quais em seu
confuso conversar se
entendem bem;
diz cada um deles: Eu
e Eu,
pensando: Não importa
quem.
Referência:
RILKE, Rainer Maria. Menschen
bei nacht / Homens na noite. Tradução de Anderson Braga Horta. In: HORTA,
Anderson Braga (Organização, seleção e tradução). Traduzir poesia.
Brasília, DF: Thesaurus, 2004. Em alemão: p. 266; em português: p. 267.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário