Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 16 de março de 2025

Rainer Maria Rilke - Homens na Noite

Numa visão crua e melancólica, Rilke explora nestes versos a desumanização e a alienação dos indivíduos nas sociedades contemporâneas, especialmente sob a luz artificial da noite, quando se dão interações sociais pautadas pela superficialidade, nas quais se dilui ainda mais aquilo que nos resta de exclusivo e peculiar, pouco ou nada a nos diferenciar da grande massa.

 

À luz das palavras do poeta, em vez de momentos de conexão externa, dos quais resultam, quase que invariavelmente, interações humanas distorcidas, inautênticas, despersonalizadas, quando não desfeitas pela flagrante efemeridade – já que, a seu ver, a noite implicaria uma separação espacial e emocional entre as pessoas, que se contrapõe à dinâmica social –, deveríamos empregá-la para as nossas reflexões interiores, para nos tornarmos mais resilientes e até mais éticos aos nos aproximarmos de alguém, quaisquer que sejam os interesses que tenhamos em vista.

 

J.A.R. – H.C.

 

Rainer Maria Rilke

(1875-1926)

 

Menschen bei Nacht

 

Die Nächte sind nicht für die Menge gemacht.

Von deinem Nachbar trennt dich die Nacht,

und du sollst ihn nicht suchen trotzdem.

Und machst du nachts deine Stube licht,

um Menschen zu schauen ins Angesicht,

so musst du bedenken: wem.

 

Die Menschen sind furchtbar vom Licht entstellt,

das von ihren Gesichtern träuft,

und haben sie nachts sich zusammengesellt,

so schaust du eine wankende Welt

durcheinandergehäuft.

Auf ihren Stirnen hat gelber Schein

alle Gedanken verdrängt,

in ihren Blicken flackert der Wein,

an ihren Händen hängt

die schwere Gebärde, mit der sie sich

bei ihren Gesprächen verstehn;

und dabei sagen sie: Ich und Ich

und meinen: Irgendwen.

 

Em frente ao café

(Berlim à noite)

(Lesser Ury: pintor alemão)

 

Homens na Noite

 

As noites não são feitas para a turba.

De teu vizinho aparta-te a noturna

treva, e na treva o não procurarás.

Se à noite fazes luz em tua casa

a fim de olhar os homens bem na face,

pergunta-te antes quais.

 

À noite os homens são desfigurados

pela luz que lhes rora do semblante,

e se os vires então aglomerados

verás confusamente amontoado

um mundo vacilante.

Das frontes num clarão amarelado

os pensamentos vão

fugindo; têm o olhar aguardentado;

pendem de cada mão

pesados gestos, com os quais em seu

confuso conversar se entendem bem;

diz cada um deles: Eu e Eu,

pensando: Não importa quem.

 

Referência:

 

RILKE, Rainer Maria. Menschen bei nacht / Homens na noite. Tradução de Anderson Braga Horta. In: HORTA, Anderson Braga (Organização, seleção e tradução). Traduzir poesia. Brasília, DF: Thesaurus, 2004. Em alemão: p. 266; em português: p. 267.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário