Mais um poema a falar
da elaboração, ou melhor, dos “fazeres” atrelados à criação do poema, desta feita de
uma poetisa carioca: imagens, olores e melodias, associações com elementos da natureza,
pensamentos, assombros – tudo se conjuga para gerar esse prodígio, essa lavra que
nos subjuga com suas verdades irredutíveis, incomensuráveis a quaisquer outras.
O título do poema quase
nos leva a associá-lo à labuta de um mestre-cuca ao produzir uma massa com
ingredientes que muito bem se identificam quando previamente separados, mas que
uma vez amalgamados, sovados à mão ou ao petrecho mesclados, tornam-se um gênero
distinto, calibrado com predicados aptos a mobilizar desafiadoramente os nossos
sentidos.
J.A.R. – H.C.
Rosane Ramos
(n. 1955)
Fazeres
o poeta chega sem
alarde
ao branco da página;
invisível quase,
pensa a melodia
que há em cada frase
e conjuga verbo e
imagem,
tudo em pensamento,
que não se atreve
a acelerar o tempo
do poema imberbe.
cheira a folha,
rege o vento que a
sopra
espanta a mariposa-
palavra que vem
surgindo
como lua clara.
talvez um tango,
talvez espanto, ele
pensa,
as rimas
passarinhando seu cérebro,
uns grunhidos de
fonemas
avançam sobre ele
até que exausto
rende-se
ao eterno exílio
da palavra extrema.
O anjo de pé ao sol
(William Turner:
artista inglês)
Referência:
RAMOS, Rosa. Fazeres. In: JARDIM, Rubens (Org.). As mulheres poetas na literatura brasileira: antologia poética. Volume 2. São Paulo, SP: Edição do Autor, 2018. p. 27.
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