Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 18 de setembro de 2022

Kepa Murua - Poesia se é que existe

Murua discorre, neste poema em forma de prosa, sobre as relações entre o homem, o poeta e a poesia propriamente dita, sobre a solidão, a ausência de amor e a profusa elocução que emerge do pélago assombrado pela morte de quem se guarnece de ausências. Ao fim, compreendem-se as razões pelas quais a poesia quase se torna uma substância elusiva, de cuja existência acaba-se muitas vezes por desacreditar.

 

Veja-se que o autor espanhol não descuida do fato de que a realidade mesma é a matéria-prima do poeta, razão pela qual este deve perscrutá-la com os olhos bem abertos, para encontrar o “homem medindo o tempo e a vida que se vislumbra a cada passo”, conferindo, assim, autenticidade à sua poesia e urgência à sua mensagem.

 

J.A.R. – H.C.

 

Kepa Murua

(n. 1962)

 

La poesia si es que existe

 

El poeta que no escribe escuchando su voz es un hombre acabado. El hombre que habla con las palabras de otros es un calco de su derrota. El poeta que piensa sólo en poesía cuando habla es un simulador que no sabe cómo colocar sus manos, el hombre que cierra los ojos es la imagen del sueño descubriendo su propia derrota. El poeta que quiere ser a todas horas poeta es un hombre mezquino tras un sendero de falsos prestigios. El hombre que sólo a veces se siente poeta es igual de mezquino, pero se sabe a salvo cuando descubre el pensamiento em fragmentos que retratan su vida con descaro. ¿Por qué quieres escribir de la soledad cuando no amas? ¿Por qué hablas de la vida si hace tiempo que estás muerto? El poeta que mira a otro lado es un libro abierto con la cobardía de su tiempo. El poeta que mira con los ojos abiertos encuentra al hombre midiendo el tiempo y la vida que se vislumbra a cada paso. El poeta que persigue su voz con el error de su sentimiento verá la luz aunque le llegue el silencio. El hombre que se retrata en silencio conocerá su afonía y su lamento, un grito que la poesía llenará de eco en cualquier momento. ¿Por qué entonces se huye del hombre como se huye de la poesía? ¿Por que la poesía finalmente muestra la felicidad que no acontece? El que no escucha al poeta es un cuerpo a la deriva. El que no encuentra la vida, un poeta sin futuro con el semblante de un hombre perdido.

 

Ilusões Perdidas

(Charles Gleyre: artista suíço)

 

Poesia se é que existe

 

O poeta que não escreve escutando sua voz é um homem acabado. O homem que fala com as palavras de outros é um decalque de sua derrota. O poeta que pensa somente em poesia quando fala é um simulador que não sabe como colocar suas mãos, o homem que cerra os olhos é a imagem do sonho descobrindo sua própria derrota. O poeta que quer ser a todas horas poeta é um homem mesquinho atrás de um caminho de falsos prestígios. O homem que só às vezes se sente poeta é igualmente mesquinho, porém sabe-se a salvo, quando descobre o pensamento em fragmentos que retratam sua vida com insolência. Por que queres escrever da solidão quando não amas? Por que falas da vida se faz tempo que estás morto? O poeta que olha o outro lado é um livro aberto com a covardia de seu tempo. O poeta que olha com os olhos abertos encontra o homem medindo o tempo e a vida que se vislumbra a cada passo. O poeta que persegue sua voz com o erro de seu sentimento verá a luz mesmo que chegue o silêncio. O homem que se retrata em silêncio conhecerá sua afonia e seu lamento, um grito que a poesia encherá de eco em qualquer momento. Por que então se foge do homem como se foge da poesia? Por que a poesia finalmente mostra a felicidade que não acontece? O que não escuta ao poeta é um corpo à deriva. O que não encontra a vida, um poeta sem futuro com semblante de homem perdido.

 

Referência:

 

MURUA, Kepa. La poesia si es que existe / Poesia se é que existe. Tradução de Antonio Maura. Revista Brasileira. Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro (RJ), fase VIII, abril-maio-junho 2013, ano II n. 75. Em espanhol: p. 302; em português: p. 303. Disponível neste endereço. Acesso em: 15 set. 2022.

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