Murua discorre, neste
poema em forma de prosa, sobre as relações entre o homem, o poeta e a poesia
propriamente dita, sobre a solidão, a ausência de amor e a profusa elocução que
emerge do pélago assombrado pela morte de quem se guarnece de ausências. Ao
fim, compreendem-se as razões pelas quais a poesia quase se torna uma
substância elusiva, de cuja existência acaba-se muitas vezes por desacreditar.
Veja-se que o autor
espanhol não descuida do fato de que a realidade mesma é a matéria-prima do
poeta, razão pela qual este deve perscrutá-la com os olhos bem abertos, para
encontrar o “homem medindo o tempo e a vida que se vislumbra a cada passo”, conferindo,
assim, autenticidade à sua poesia e urgência à sua mensagem.
J.A.R. – H.C.
Kepa Murua
(n. 1962)
La poesia si es que
existe
El poeta que no escribe escuchando su voz es un hombre acabado. El
hombre que habla con las palabras de otros es un calco de su derrota. El poeta
que piensa sólo en poesía cuando habla es un simulador que no sabe cómo colocar
sus manos, el hombre que cierra los ojos es la imagen del sueño descubriendo su
propia derrota. El poeta que quiere ser a todas horas poeta es un hombre
mezquino tras un sendero de falsos prestigios. El hombre que sólo a veces se
siente poeta es igual de mezquino, pero se sabe a salvo cuando descubre el
pensamiento em fragmentos que retratan su vida con descaro. ¿Por qué quieres
escribir de la soledad cuando no amas? ¿Por qué hablas de la vida si hace
tiempo que estás muerto? El poeta que mira a otro lado es un libro abierto con
la cobardía de su tiempo. El poeta que mira con los ojos abiertos encuentra al
hombre midiendo el tiempo y la vida que se vislumbra a cada paso. El poeta que
persigue su voz con el error de su sentimiento verá la luz aunque le llegue el silencio.
El hombre que se retrata en silencio conocerá su afonía y su lamento, un grito
que la poesía llenará de eco en cualquier momento. ¿Por qué entonces se huye
del hombre como se huye de la poesía? ¿Por que la poesía finalmente muestra la
felicidad que no acontece? El que no escucha al poeta es un cuerpo a la deriva.
El que no encuentra la vida, un poeta sin futuro con el semblante de un hombre
perdido.
Ilusões Perdidas
(Charles Gleyre:
artista suíço)
Poesia se é que
existe
O poeta que não escreve escutando sua voz é um homem acabado. O homem que
fala com as palavras de outros é um decalque de sua derrota. O poeta que pensa somente
em poesia quando fala é um simulador que não sabe como colocar suas mãos, o
homem que cerra os olhos é a imagem do sonho descobrindo sua própria derrota. O
poeta que quer ser a todas horas poeta é um homem mesquinho atrás de um caminho
de falsos prestígios. O homem que só às vezes se sente poeta é igualmente
mesquinho, porém sabe-se a salvo, quando descobre o pensamento em fragmentos
que retratam sua vida com insolência. Por que queres escrever da solidão quando
não amas? Por que falas da vida se faz tempo que estás morto? O poeta que olha
o outro lado é um livro aberto com a covardia de seu tempo. O poeta que olha
com os olhos abertos encontra o homem medindo o tempo e a vida que se vislumbra
a cada passo. O poeta que persegue sua voz com o erro de seu sentimento verá a
luz mesmo que chegue o silêncio. O homem que se retrata em silêncio conhecerá
sua afonia e seu lamento, um grito que a poesia encherá de eco em qualquer
momento. Por que então se foge do homem como se foge da poesia? Por que a poesia
finalmente mostra a felicidade que não acontece? O que não escuta ao poeta é um
corpo à deriva. O que não encontra a vida, um poeta sem futuro com semblante de
homem perdido.
Referência:
MURUA, Kepa. La poesia si es que existe / Poesia se é que existe. Tradução de Antonio Maura. Revista Brasileira. Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro (RJ), fase VIII, abril-maio-junho 2013, ano II n. 75. Em espanhol: p. 302; em português: p. 303. Disponível neste endereço. Acesso em: 15 set. 2022.
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