Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Pierre de Ronsard - Cumpre deixar mansão...

O autor francês, o “príncipe dos poetas” como assim o chamou a sua própria geração, despede-se do mundo por meio destas derradeiras linhas, matizadas com alguma ilustração cristã, embora não menos ufana: perceba, leitor, como Ronsard afirma haver levado o próprio nome à glória terrena, tornando-o “assaz insigne”.

 

Seja como for, trata-se do adeus sereno de um cisne em seu postremo e belo canto, com um sentido de missão cumprida, quer como poeta quer como estudioso, num voo de libertação do peso corporal rumo à plena e apoteótica afirmação da alma: não mais a carne, senão o império do espírito; não mais um homem, mas um anjo que agora aspira ao eterno.

 

J.A.R. – H.C.

 

Pierre de Ronsard

(1524-1585)

 

Il faut laisser maisons...

 

Il faut laisser maisons, et vergers et jardins,

Vaisselles et vaisseaux que l ‘artisan burine,

Et chanter son obsèque en la façon du cygne,

Qui chante son trépas sur les bords méandrins.

 

C’est fait; j’ai dévidé le cours de mes destins.

J’ai vécu, j’ai rendu mon nom assez insigne;

Ma plume vole au ciel pour être quelque signe,

Loin des appas mondains qui trompent les plus fins.

 

Heureux qui ne fut onc, plus heureux qui retourne

En rien comme il était, plus heureux qui séjourne,

D ‘homme fait nouvel ange, auprès de Jésus-Christ,

 

Laissant pourrir çà-bas sa dépouille de boue,

Dont le sort, la fortune et le destin se joue,

Franc des liens du corps, pour n’être qu ‘un esprit.

 

Autorretrato

(Paul Cézanne: pintor francês)

 

Cumpre deixar mansão...

 

Cumpre deixar mansão, jardim, veiga florida,

Baixela que o artesão adorna cinzelando,

Sua morte cantar, ao cisne semelhando,

Que canta em seu país, quando lhe foge a vida.

 

Acabou-se! Gastei da existência a medida,

Vivi, pude tornar meu nome venerando;

Um sinal há-de ser minha pena ao céu voando,

Longe de encantos que nos levam de vencida.

 

Feliz quem não viveu, mais feliz quem regressa

Ao nada que já foi, mais feliz quem, depressa,

Homem que anjo se fez, volta ao Cristo clemente,

 

Deixando aqui morrer seus despojos de lama,

De que a fortuna ri, o fado e sua trama,

Pra ser, livre do corpo, espírito somente.

 

Referência:

 

RONSARD, Pierre de. Il faut laisser maisons... / Cumpre deixar mansão... Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio (Seleção, Tradução e Organização). Antologia da poesia francesa: do século IX ao século XX. 2. ed. ampliada. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record; Salvador, BA: Secretaria da Cultura e do Turismo, 1999. Em francês: p. 86; em português: p. 87.

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