O autor francês, o “príncipe
dos poetas” como assim o chamou a sua própria geração, despede-se do mundo por
meio destas derradeiras linhas, matizadas com alguma ilustração cristã, embora
não menos ufana: perceba, leitor, como Ronsard afirma haver levado o próprio
nome à glória terrena, tornando-o “assaz insigne”.
Seja como for, trata-se
do adeus sereno de um cisne em seu postremo e belo canto, com um sentido de
missão cumprida, quer como poeta quer como estudioso, num voo de libertação do
peso corporal rumo à plena e apoteótica afirmação da alma: não mais a carne, senão
o império do espírito; não mais um homem, mas um anjo que agora aspira ao
eterno.
J.A.R. – H.C.
Pierre de Ronsard
(1524-1585)
Il faut laisser
maisons...
Il faut laisser
maisons, et vergers et jardins,
Vaisselles et
vaisseaux que l ‘artisan burine,
Et chanter son
obsèque en la façon du cygne,
Qui chante son trépas
sur les bords méandrins.
C’est fait; j’ai
dévidé le cours de mes destins.
J’ai vécu, j’ai rendu
mon nom assez insigne;
Ma plume vole au ciel
pour être quelque signe,
Loin des appas
mondains qui trompent les plus fins.
Heureux qui ne fut
onc, plus heureux qui retourne
En rien comme il
était, plus heureux qui séjourne,
D ‘homme fait nouvel
ange, auprès de Jésus-Christ,
Laissant pourrir
çà-bas sa dépouille de boue,
Dont le sort, la
fortune et le destin se joue,
Franc des liens du
corps, pour n’être qu ‘un esprit.
Autorretrato
(Paul Cézanne: pintor
francês)
Cumpre deixar
mansão...
Cumpre deixar mansão,
jardim, veiga florida,
Baixela que o artesão
adorna cinzelando,
Sua morte cantar, ao
cisne semelhando,
Que canta em seu
país, quando lhe foge a vida.
Acabou-se! Gastei da
existência a medida,
Vivi, pude tornar meu
nome venerando;
Um sinal há-de ser
minha pena ao céu voando,
Longe de encantos que
nos levam de vencida.
Feliz quem não viveu,
mais feliz quem regressa
Ao nada que já foi,
mais feliz quem, depressa,
Homem que anjo se
fez, volta ao Cristo clemente,
Deixando aqui morrer
seus despojos de lama,
De que a fortuna ri,
o fado e sua trama,
Pra ser, livre do
corpo, espírito somente.
Referência:
RONSARD, Pierre de. Il faut laisser maisons... / Cumpre deixar mansão... Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio (Seleção, Tradução e Organização). Antologia da poesia francesa: do século IX ao século XX. 2. ed. ampliada. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record; Salvador, BA: Secretaria da Cultura e do Turismo, 1999. Em francês: p. 86; em português: p. 87.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário