O sujeito lírico, provavelmente
uma mulher e mãe, fala-nos dos sentimentos do que é perder um filho, quando se
espera, pela natural ordem das coisas, que os rebentos venham a realizar o rito
mortuário de seus genitores: sente a falante uma espécie de punhalada do
destino, sem ter meios de escapar para um território de pura abstração.
Somente na perda é
que os supérstites percebem a completude do mundo pré-morte, arrimado nos laços
que os mantinham com os que se foram. Agora a vida, para a enunciadora do
discurso, transcorre envolta em palavras, numa espécie de refluxo a turbilhonar
a mente, até que, por fim, se atenue, de algum modo, a dor da ausência.
J.A.R. – H.C.
Cristina Domenech
(n. 1954)
Dar la mano
Cuando se muere un
hijo
abren las compuertas
de los ríos
y los ojos son
caballos furiosos
que galopan un mundo
sin cabeza
De lo que queda
recojo los pedazos
y comienzo el ritual
a dentelladas
El cuerpo busca un
pájaro
para escapar del
territorio
Pero no hay aves que
carguen a los hombres
que saben masticar la
puñalada
Cuando se muere un
hijo
no hay más remedio
que cortar el tiempo
con los brazos
llevarlo de la mano y
dejarlo
en medio de la
ausencia
Advierto entonces
que el mundo estaba
entero
Ahora soy la vida
que envuelven las
palabras
Mãe e Filho
(William A.
Bouguereau: pintor francês)
Dar a mão
Quando morre um filho
abrem-se as comportas
dos rios
e os olhos são cavalos
furiosos
que galopam por um
mundo sem cabeça
Do que resta recolho
os pedaços
e começo o ritual a
dentadas
O corpo busca um
pássaro
para escapar do
território
Mas não há aves que
carreguem homens
que saibam mastigar a
punhalada
Quando morre um filho
não há outra escolha
senão cortar o tempo
com os braços
tomá-lo pela mão e deixá-lo
no meio da ausência
Percebo então
que o mundo estava inteiro
Agora sou a vida
envolta em palavras
Referência:
DOMENECH, Cristina. Dar
la mano. In: COCO, Emilio (Comp.). Il fiore della poesia latinoamericana
d’oggi. Secondo volume – America meridionale – I. Edizione trilingue:
spagnolo/portoghese x italiano. Rimini, IT: Raffaelli Editore, ottobre 2016. p.
278 e 280. (‘Poesia Presente’; v. 6)
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