Em razão de que se
revela como uma espécie de sistema de múltiplas soluções, dado o seu perfil
indeterminado, quase inapreensível, o que resulta ser a poesia vai ao encontro
de uma infinidade de conceitos, definições, metáforas, propriedades, adjetivos:
por conseguinte, a poesia acaba por oferecer uma prodigiosa maleabilidade para
conter os mais díspares significados e abarcar os objetos mais dessemelhantes.
Logo, se o poeta emprega
anáforas tendentes a definir a poesia como um engenho simples, não é que
desconheça os contornos crípticos de sua linguagem, senão porque, mais à
frente, retornará ao seu revolto mar de indeterminações, sintetizando-a num jogo
antitético de palavras: “A poesia, meus senhores, é de sincera e simples complexidade”.
J.A.R. – H.C.
Flávio Carvalho
Ferraz
(n. 1963)
Simplesmente
A poesia é
simplesmente
um conjunto de
palavras
traçadas a carvão
ou sangue de animal
em paredes
paleolíticas
A poesia é
simplesmente
um esboço de pintura
rapidamente traçado
em pergaminho ou
papel
ou qualquer coisa que
seja
A poesia é
simplesmente
um pouco de
sentimentos
mal adaptado às
formas
urgentemente escritos
em máquinas de
escrever
A poesia é simplesmente
tecnologia aplicada
à arte;
soma de eras
históricas,
a poesia é o poema
com modéstia à parte
A poesia, meus
senhores,
é de sincera e
simples
complexidade
Assim é a alma
(Toni Popov: artista
macedônio)
Referência:
FERRAZ, Flávio Carvalho. Simplesmente. In: SAVARY, Olga (Organização, seleção, notas e apresentação). Antologia da nova poesia brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Rio / Hipocampo, 1992. p. 108.
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