Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Emilio Prados - Tenho Medo

As imagens de que lança mão o poeta espanhol neste poema – inusitadas e delirantes, para se dizer o mínimo –, refletem receios reais ou imaginárias perante uma paisagem desoladora, ora em derredor aos seus monstros internos, ora em jornada por alegorias cambiantes, prováveis metáforas para o que se passa na realidade factual por ele apreendida.

 

A par desse afã insólito de se deixar levar por tal contexto em decomposição, a reverberar iniludíveis sopros de morte, nota-se certo espírito compassivo, solidário até, com todos quantos não estejam habilitados a opor-lhe resistências – essa multidão, “silenciosa e sem rosto”, que se aproxima dos túmulos pelas bordas...

 

J.A.R. – H.C.

 

Emilio Prados

(1899-1962)

 

Tengo Miedo

 

He pedido mi ingreso en ese cuerpo voluntario,

en esa rumorosa claridad disidente,

en esa muerta nave que aún flota medio hundida

bajo el celeste asedio de las más altas aves.

 

He pedido mi ingreso en esa región donde vuelan los ríos

como blancas heridas o soñadoras cabelleras.

He pedido mi ingreso en la región de los palacios desolados;

en la región de los paisajes muertos

donde la arena cuelga sus míseras carroñas o pacientes

rebaños bajo la luz más débil de la luna.

 

He pedido mi ingreso en la legión de los hombres perdidos;

de los hombres que suenan sus huesos solitarios

por los huecos caminos que los alejan de su frente...

 

Tengo miedo a este brazo que en la tierra navega,

tengo miedo a los topos de mis distritos subterráneos.

Tengo miedo a estas aves que mi carne circundan;

en sus temibles horcas permanezco.

 

Permanezco sin célula estrangulado por mi sangre

en las horas nocturnas en que galopan los desiertos,

en las horas nocturnas en que lloran los pozos

y se mueren los niños como flautas lejanas.

 

Cuando la tierra aúlla como un enorme perro

ante las multitudes devoradoras que la acompañan,

he pedido mi ingreso en esas muchedumbres silenciosas

que se acercan sin rostro por las orillas de las tumbas.

 

Tengo miedo a mis ojos. Tengo miedo.

Tengo miedo a la aurora y a esta luz que la irrita.

Tengo miedo a las sombras que me levantan.

 

¡Oh noche dolorosa encallada en el aire a un pez bajo los ojos!

Como blancas hormigas, como estrellas que mueren,

he pedido mi ingreso bajo tus diminutos ejércitos caminantes.

 

En: “Andando, andando por el mundo” (1935)

 

A face do medo

(Ala Ilescu: pintora moldavo-canadense)

 

Tenho Medo

 

Pedi para ingressar nesse corpo voluntário,

nessa rumorosa claridade dissidente,

nessa nave morta que ainda flutua meio sumida

sob o cerco celestial das mais altas aves.

 

Pedi para ingressar nessa região onde os rios voam

como feridas brancas ou sonhadoras cabeleiras.

Pedi para ingressar na região dos palácios desolados;

na região das paisagens mortas

onde a areia faz pender suas míseras carniças

ou pacientes rebanhos sob a luz do mais tênue luar.

 

Pedi para ingressar na legião dos homens perdidos;

dos homens que ressoam seus ossos solitários

por ocos caminhos que os levam para longe de suas frontes...

 

Tenho medo deste braço que na terra navega,

tenho medo das toupeiras de meus distritos subterrâneos.

Tenho medo dessas aves que circundam minha carne;

Em seus temíveis patíbulos demoro-me.

 

Fico sem célula estrangulado por meu sangue

nas horas noturnas em que os desertos galopam,

nas horas noturnas em que os poços choram

e as crianças morrem como flautas distantes.

 

Quando a terra pôs-se a uivar como um cão enorme

diante das multidões devoradoras que a acompanham,

pedi para ingressar nessas legiões silenciosas

que se aproximam sem rosto pelas bordas dos túmulos.

 

Tenho medo dos meus olhos. Tenho medo.

Tenho medo da aurora e dessa luz que a irrita.

Tenho medo das sombras que me levantam.

 

Oh noite dolorosa encalhada no ar como um peixe sob os olhos!

Como brancas formigas, como estrelas que morrem,

pedi para ingressar sob teus diminutos exércitos caminhantes.

 

Em: “Andando, andando pelo mundo” (1935)

 

Referência:

 

PRADOS, Emilio. Tengo miedo. In: ORTEGA, Esperanza (Edición, introducción, notas, comentarios y apéndice). Antología de la generación del 27: varios autores. Madrid, ES: Anaya, 1987. p. 143-144. (Biblioteca Didáctica Anaya; v. 23)

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