As imagens de que
lança mão o poeta espanhol neste poema – inusitadas e delirantes, para se dizer
o mínimo –, refletem receios reais ou imaginárias perante uma paisagem
desoladora, ora em derredor aos seus monstros internos, ora em jornada por
alegorias cambiantes, prováveis metáforas para o que se passa na realidade
factual por ele apreendida.
A par desse afã
insólito de se deixar levar por tal contexto em decomposição, a reverberar iniludíveis
sopros de morte, nota-se certo espírito compassivo, solidário até, com todos
quantos não estejam habilitados a opor-lhe resistências – essa multidão, “silenciosa
e sem rosto”, que se aproxima dos túmulos pelas bordas...
J.A.R. – H.C.
Emilio Prados
(1899-1962)
Tengo Miedo
He pedido mi ingreso
en ese cuerpo voluntario,
en esa rumorosa
claridad disidente,
en esa muerta nave
que aún flota medio hundida
bajo el celeste
asedio de las más altas aves.
He pedido mi ingreso
en esa región donde vuelan los ríos
como blancas heridas
o soñadoras cabelleras.
He pedido mi ingreso
en la región de los palacios desolados;
en la región de los
paisajes muertos
donde la arena cuelga
sus míseras carroñas o pacientes
rebaños bajo la luz
más débil de la luna.
He pedido mi ingreso
en la legión de los hombres perdidos;
de los hombres que
suenan sus huesos solitarios
por los huecos
caminos que los alejan de su frente...
Tengo miedo a este
brazo que en la tierra navega,
tengo miedo a los
topos de mis distritos subterráneos.
Tengo miedo a estas
aves que mi carne circundan;
en sus temibles
horcas permanezco.
Permanezco sin célula
estrangulado por mi sangre
en las horas
nocturnas en que galopan los desiertos,
en las horas
nocturnas en que lloran los pozos
y se mueren los niños
como flautas lejanas.
Cuando la tierra
aúlla como un enorme perro
ante las multitudes
devoradoras que la acompañan,
he pedido mi ingreso
en esas muchedumbres silenciosas
que se acercan sin
rostro por las orillas de las tumbas.
Tengo miedo a mis
ojos. Tengo miedo.
Tengo miedo a la
aurora y a esta luz que la irrita.
Tengo miedo a las
sombras que me levantan.
¡Oh noche dolorosa
encallada en el aire a un pez bajo los ojos!
Como blancas
hormigas, como estrellas que mueren,
he pedido mi ingreso
bajo tus diminutos ejércitos caminantes.
En: “Andando, andando
por el mundo” (1935)
A face do medo
(Ala Ilescu: pintora
moldavo-canadense)
Tenho Medo
Pedi para ingressar nesse
corpo voluntário,
nessa rumorosa
claridade dissidente,
nessa nave morta que
ainda flutua meio sumida
sob o cerco celestial
das mais altas aves.
Pedi para ingressar
nessa região onde os rios voam
como feridas brancas
ou sonhadoras cabeleiras.
Pedi para ingressar
na região dos palácios desolados;
na região das
paisagens mortas
onde a areia faz
pender suas míseras carniças
ou pacientes rebanhos
sob a luz do mais tênue luar.
Pedi para ingressar
na legião dos homens perdidos;
dos homens que ressoam
seus ossos solitários
por ocos caminhos que
os levam para longe de suas frontes...
Tenho medo deste
braço que na terra navega,
tenho medo das
toupeiras de meus distritos subterrâneos.
Tenho medo dessas
aves que circundam minha carne;
Em seus temíveis
patíbulos demoro-me.
Fico sem célula
estrangulado por meu sangue
nas horas noturnas em
que os desertos galopam,
nas horas noturnas em
que os poços choram
e as crianças morrem
como flautas distantes.
Quando a terra pôs-se
a uivar como um cão enorme
diante das multidões
devoradoras que a acompanham,
pedi para ingressar
nessas legiões silenciosas
que se aproximam sem
rosto pelas bordas dos túmulos.
Tenho medo dos meus
olhos. Tenho medo.
Tenho medo da aurora
e dessa luz que a irrita.
Tenho medo das
sombras que me levantam.
Oh noite dolorosa
encalhada no ar como um peixe sob os olhos!
Como brancas formigas,
como estrelas que morrem,
pedi para ingressar
sob teus diminutos exércitos caminhantes.
Em: “Andando, andando
pelo mundo” (1935)
Referência:
PRADOS, Emilio. Tengo miedo. In: ORTEGA, Esperanza (Edición, introducción, notas, comentarios y apéndice). Antología de la generación del 27: varios autores. Madrid, ES: Anaya, 1987. p. 143-144. (Biblioteca Didáctica Anaya; v. 23)
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