Com um título aludindo
à corrente filosófica surgida na Alemanha, em meados do século XIX, a defender
a ideia da indissociabilidade entre força e matéria – ou, na vulgata, a noção
de que o cérebro segrega o pensamento, da mesma maneira que o fígado segrega a bílis
–, Maria Rita sonha em dar volta à tirania suscitada por nossa completa imersão no
mundo do trabalho, em detrimento de uma agenda mais lúdica ou inventiva.
Com efeito, o propósito
maior da poetisa campineira é desvelar o quanto o ‘modus vivendi’ em que estamos
imersos, materialista até a medula, cerceia a livre manifestação da poesia,
pois que nos rouba o tempo da mansuetude e da contemplação, necessárias para que
ela se esparja pela senda do que de mais sublime o ser humano é capaz de
manifestar.
J.A.R. – H.C.
Maria Rita Kehl
(n. 1951)
Materialismo Vulgar
Não é democrática a
poesia.
Ela se esconde
(digamos)
se dificulta, fica
quase inacessível
para os que têm que acordar
pelas sete da manhã
(a menos que pinte
no banho
na pia
na pressa
no prato
na janta – mas aí
não passa de soluço
inacabado
entre a barriga e a
garganta).
E o poeta sonha
envergonhado
secreta ideia
que nada entende
de economia:
devolvam aos homens
seu tempo
seu corpo
pois a poesia
devassa os sentidos
quando despertada
penetra a vontade
ou brota aos pedaços
em horas pouco
indicadas.
Devolvam aos homens
seu tempo
seu corpo
e a poesia
será liberada.
Mix de flores numa
cornucópia
(Thomas Robins:
pintor inglês)
Referência:
KEHL, Maria Rita.
Materialismo vulgar. In: SAVARY, Olga (Organização, seleção, notas e
apresentação). Antologia da nova poesia brasileira. Rio de Janeiro, RJ:
Fundação Rio / Hipocampo, 1992. p. 206.
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