A morte não é um tema
exatamente venturoso para, com alguma frequência, apresentar-se nos versos de qualquer
vate. Contudo, tal sucede na obra poética do autor uruguaio: aqui, ela se
metaforiza na figura de uma criança, de cara triste, já envelhecida, “parecida
com Deus”, e que, a cada momento, deixa cair sua mão sobre o coração do poeta.
A morte é como o
sentimento a que se sujeita quem está privado do alimento do amor, um silêncio
devastador em meio ao qual somente se ouve o ladrar de incógnitos cães. Às
vezes, às vezes... Porque ela tem várias faces, o poeta se satisfaz, como um
músico, a assentar seus acordes em uma cifra de fúnebre beleza – um pressagiado
réquiem.
J.A.R. – H.C.
Mario Benedetti
(1920-2009)
Más o menos la muerte
La muerte es sólo un
niño
de cara triste
un niño
sin motivo
sin miedo
sin fervor
un pobre niño viejo
que se parece
a Dios.
A veces
sin embargo
es tan sólo un
silencio
sin pasado
sin molde
sin olor
un silencio en que
ladran
los perros
esos perros
y uno se pregunta
quiénes son.
A veces.
Otras veces
es una niebla espesa
que se mete en los
ojos
que destruye la voz
y lo arrincona a uno
definitivamente
bueno
definitivamente no
tan sólo hasta que
uno
se siente
sin amor.
A veces.
Pero es raro.
Por lo común la
muerte
es solamente un niño
de cara triste
un niño
que sale de la noche
sin motivo
sin miedo
sin fervor
un pobre niño viejo
que deja caer su mano
sobre mi corazón.
En: “Hoyporhoy”
(1958-1961)
O velho e uma menina
aprendendo a ler
(Paul-Constant Soyer:
pintor francês)
Mais ou menos a morte
A morte é apenas uma
criança
de cara triste
uma criança
sem motivo
sem medo
sem fervor
uma pobre criança
velha
que se parece
com Deus.
Às vezes
no entanto
é tão somente um
silêncio
sem passado
sem molde
sem cheiro
um silêncio no qual
os cães ladram
esses cães
e alguém se pergunta
quem eles são.
Às vezes.
Outras vezes
é uma névoa espessa
a atingir os olhos
a destruir a voz
sitiando alguém
definitivamente
bem
definitivamente não
mas tão somente até
que alguém
se sinta
sem amor.
Às vezes.
Mas isso é bem raro.
A morte costuma ser
apenas uma criança
de cara triste
uma criança
que sai da noite
sem motivo
sem medo
sem fervor
uma pobre criança
velha
que deixa cair sua
mão
sobre meu coração.
Em: “Hoje em dia”
(1958-1961)
Referência:
BENEDETTI, Mario. Más o menos la muerte. In: __________. Inventario uno: poesía completa 1950-1985. Buenos Aires, AR: Sudamericana, 2001. p. 561-562.
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