Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 11 de setembro de 2022

Mario Benedetti - Mais ou menos a morte

A morte não é um tema exatamente venturoso para, com alguma frequência, apresentar-se nos versos de qualquer vate. Contudo, tal sucede na obra poética do autor uruguaio: aqui, ela se metaforiza na figura de uma criança, de cara triste, já envelhecida, “parecida com Deus”, e que, a cada momento, deixa cair sua mão sobre o coração do poeta.

 

A morte é como o sentimento a que se sujeita quem está privado do alimento do amor, um silêncio devastador em meio ao qual somente se ouve o ladrar de incógnitos cães. Às vezes, às vezes... Porque ela tem várias faces, o poeta se satisfaz, como um músico, a assentar seus acordes em uma cifra de fúnebre beleza – um pressagiado réquiem.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mario Benedetti

(1920-2009)

 

Más o menos la muerte

 

La muerte es sólo un niño

de cara triste

un niño

sin motivo

sin miedo

sin fervor

un pobre niño viejo

que se parece

a Dios.

 

A veces

sin embargo

es tan sólo un silencio

sin pasado

sin molde

sin olor

un silencio en que ladran

los perros

esos perros

y uno se pregunta

quiénes son.

 

A veces.

 

Otras veces

es una niebla espesa

que se mete en los ojos

que destruye la voz

y lo arrincona a uno definitivamente

bueno

definitivamente no

tan sólo hasta que uno

se siente

sin amor.

 

A veces.

 

Pero es raro.

Por lo común la muerte

es solamente un niño

de cara triste

un niño

que sale de la noche

sin motivo

sin miedo

sin fervor

un pobre niño viejo

que deja caer su mano

sobre mi corazón.

 

En: “Hoyporhoy” (1958-1961)

 

O velho e uma menina aprendendo a ler

(Paul-Constant Soyer: pintor francês)

 

Mais ou menos a morte

 

A morte é apenas uma criança

de cara triste

uma criança

sem motivo

sem medo

sem fervor

uma pobre criança velha

que se parece

com Deus.

 

Às vezes

no entanto

é tão somente um silêncio

sem passado

sem molde

sem cheiro

um silêncio no qual

os cães ladram

esses cães

e alguém se pergunta

quem eles são.

 

Às vezes.

 

Outras vezes

é uma névoa espessa

a atingir os olhos

a destruir a voz

sitiando alguém definitivamente

bem

definitivamente não

mas tão somente até que alguém

se sinta

sem amor.

 

Às vezes.

 

Mas isso é bem raro.

A morte costuma ser

apenas uma criança

de cara triste

uma criança

que sai da noite

sem motivo

sem medo

sem fervor

uma pobre criança velha

que deixa cair sua mão

sobre meu coração.

 

Em: “Hoje em dia” (1958-1961)

 

Referência:

 

BENEDETTI, Mario. Más o menos la muerte. In: __________. Inventario uno: poesía completa 1950-1985. Buenos Aires, AR: Sudamericana, 2001. p. 561-562.

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