Herbert sugere-nos, em meio a versos carregados de ironia e tonalidades
satíricas, que “joguemos” com o sofrimento, forçando-o, ao fim e ao cabo, a
expressar um tênue sorriso, ou seja, que sejamos capazes de convolar penas,
aflições, dissabores, em amabilidades, cortesias, gentilezas – a despeito de
tudo de ruim que possa suceder conosco.
Os poemas da série do Sr. Cogito revelam o humanismo presente no
pensamento do autor polonês, e mesmo o nome atribuído ao personagem de quem se fala já
pressupõe o caráter especulativo da poesia neles entronizada: versos curtos,
sem pontuação, por vezes com inflexões desconcertantes – tal é o modo como são
aclaradas as circunstâncias de vida de um hipotético homem capaz de pensar.
J.A.R. – H.C.
Zbigniew Herbert
(1924-1998)
Mr. Cogito Meditates on Suffering
All attempts to
remove
the so-called cup of
bitterness –
by reflection
frenzied actions on
behalf of homeless cats
deep breathing
religion –
failed
one must consent
gently bend the head
not wring the hands
make use of the
suffering gently moderately
like an artificial
limb
without false shame
but also without
unnecessary pride
do not brandish the
stump
over the heads of
others
don’t knock with the
white cane
against the windows
of the well-fed
drink the essence of
bitter herbs
but not to the dregs
leave carefully
a few sips for the
future
accept
but simultaneously
isolate within
yourself
and if it is possible
create from the
matter of suffering
a thing or a person
play
with it
of course
play
entertain it
very cautiously
like a sick child
forcing at last
with silly tricks
a faint
smile
(Translated from the Polish to English
by John Carpenter and Bogdana
Carpenter)
Ancião na Tristeza
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
O Sr. Cogito Medita sobre o Sofrimento
Todas as tentativas
de afastar
a assim chamada taça
da amargura –
por meio da reflexão
da ação obstinada em
favor dos gatos sem lar
da respiração
profunda
da religião –
fracassaram
é favor aceitar
baixar obsequiosamente
a cabeça
não torcer as mãos
lidar com o
sofrimento de forma razoavelmente suave
como uma prótese
dentária
sem falsa vergonha
mas também sem
vaidade
nada de brandir o
coto de um membro amputado
sobre a cabeça dos
outros
nada de bater com uma
bengala branca
em janelas de
empanzinados
beber o extrato de
ervas amargas
mas não até a última gota
deixar
previdentemente
um par de goles para
o futuro
aceitar
mas ao mesmo tempo
delimitá-lo dentro de
si
e se isso for
possível
criar a partir do
conteúdo do sofrimento
uma coisa ou pessoa
jogar
com ele
é claro
jogar
brincar com ele
muito cuidadosamente
como se fosse com uma
criança doente
compelindo-o finalmente
com truques bobos
a um tênue
sorriso
Nota:
Para quem tem interesse em conhecer o
poema no idioma original, o polonês, recomenda-se a leitura neste endereço
da internet.
Referência:
HERBERT, Zbigniew. Mr. Cogito meditates
on suffering. Translated from the Polish to English by John Carpenter and
Bogdana Carpenter. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary world poetry. 1st. ed. New York,
NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), june 1996. p. 152-153.
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