Eis aqui a prova de que uma tradução literal nem sempre resulta num
texto melhor para se usufruir o prazer da leitura no idioma destinatário, tanto
mais quando se tem como tradutor um outro poeta – Lêdo Ivo, no caso –, que com
o seu talento, foi capaz de transpor as pétalas desta rosa, tornando-a, decerto, tão ou mais bela que no original em inglês.
O fato de se estar do lado de fora dos portões ocidentais leva-nos a
associar a temática do poema à cena bíblica da expulsão de Adão e Eva do
paraíso edênico – a maçã, enquanto símbolo da sensualidade, não poderia faltar
ao enredo –, quando já não se tem mais nada a perder e o que resta aos amantes
é usufruir longamente o prazer, levando a que a carne se torne “candente”.
J.A.R. – H.C.
Kerry Shawn Keys
(n. 1946)
Outside the western gate
Under the rosetrees
at the equinoctial
hour,
down where the
snowflowers
spring from their
roots,
there, my little
wilding,
the ginseng and
anemone
are lifting their
soft rays
through the oak
and the hemlock.
It is dawn,
little almond eyes,
and I am singing you
our watersong:
The stars have left
a fragrance
that stays,
and we stay, love,
outside the western
gate,
though the Sky
is scattered with
blue
in its first tumig
light.
The greenbriar climbs
close on the laurel,
my heart’s erect
flint
blazes
like touchwood
on your breasts, two
flowering quinces
on my lips,
two quail
quivering
in the brush.
All day
our hidden body
bums like an unmined
opal
on fire,
a cresset of kisses
untouched
by the sun’s angry
heat.
And when evening
opens
its cold mouth,
and the winds
whorl
into the Wood
and into the lovers
that would embrace,
we knot our limbs
and our roots,
our tongues
and our blood,
and
endless and
everywhere,
a five-petalled star,
all night
we burn
them
our brightest flesh.
(Claude Monet: pintor
francês)
Fora do jardim ocidental
Sob as roseiras
na hora equinocial,
lá onde flores de
neve
brotam de suas raízes,
lá, minha pequena
maçã silvestre,
a arália e a anêmona
levantam seus doces
raios
enlaçando o carvalho
e a cicuta.
Pequenos olhos de
amêndoa,
é o amanhecer,
e estou cantando para
ti
nossa canção de água:
As estrelas deixaram
sua longa
fragrância
e aqui estamos, amor,
fora do jardim
ocidental,
embora o céu
esteja juncado de
azul
em seu primeiro giro
de luz.
A verde sarça sobe
agarrada ao loureiro,
e meu ereto coração
de pederneira
arde
– madeira podre –
junto aos teus seios,
marmelos floridos
sob meus lábios,
codornizes
ocultas
no matagal.
O dia inteiro
nossos corpos
escondidos
queimam como opala
arde
dentro da terra,
um facho de beijos
que o irritado calor
do sol não toca.
E quando a tarde
abre
a sua boca fria
e o vento
sopra em espiral
dentro do bosque
e dentro dos amantes
que se abraçariam,
entrelaçamos nossos
ramos
e raízes,
nossas línguas
e nosso sangue
e
interminável e ubíqua
estrela de cinco
pétalas
a noite inteira
queimamos para eles
a nossa carne
mais candente.
Referência:
KEYS, Kerry Shawn. Outside the western
gate / Fora do jardim ocidental. Tradução de Lêdo Ivo. In: KEYS, Kerry Shawn
(Ed.). Quingumbo: new north american
poetry / nova poesia norte-americana. Antologia bilíngue. São Paulo, SP:
Escrita, 1980. Em inglês: p. 268; em português: p. 269.
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