Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Kerry Shawn Keys - Fora do jardim ocidental

Eis aqui a prova de que uma tradução literal nem sempre resulta num texto melhor para se usufruir o prazer da leitura no idioma destinatário, tanto mais quando se tem como tradutor um outro poeta – Lêdo Ivo, no caso –, que com o seu talento, foi capaz de transpor as pétalas desta rosa, tornando-a, decerto, tão ou mais bela que no original em inglês.

O fato de se estar do lado de fora dos portões ocidentais leva-nos a associar a temática do poema à cena bíblica da expulsão de Adão e Eva do paraíso edênico – a maçã, enquanto símbolo da sensualidade, não poderia faltar ao enredo –, quando já não se tem mais nada a perder e o que resta aos amantes é usufruir longamente o prazer, levando a que a carne se torne “candente”.

J.A.R. – H.C.

Kerry Shawn Keys
(n. 1946)

Outside the western gate

Under the rosetrees
at the equinoctial hour,
down where the snowflowers
spring from their roots,
there, my little wilding,
the ginseng and anemone
are lifting their soft rays
through the oak
and the hemlock.

It is dawn,
little almond eyes,
and I am singing you
our watersong:

The stars have left
a fragrance
that stays,
and we stay, love,
outside the western gate,
though the Sky
is scattered with blue
in its first tumig light.

The greenbriar climbs
close on the laurel,
my heart’s erect flint
blazes
like touchwood
on your breasts, two flowering quinces
on my lips,
two quail
quivering
in the brush.

All day
our hidden body
bums like an unmined
opal
on fire,
a cresset of kisses
untouched
by the sun’s angry heat.

And when evening
opens
its cold mouth,
and the winds
whorl
into the Wood
and into the lovers
that would embrace,
we knot our limbs
and our roots,
our tongues
and our blood,
and
endless and everywhere,
a five-petalled star,
all night
we burn
them
our brightest flesh.

O jardim do artista em Vétheuil
(Claude Monet: pintor francês)

Fora do jardim ocidental

Sob as roseiras
na hora equinocial,
lá onde flores de neve
brotam de suas raízes,
lá, minha pequena maçã silvestre,
a arália e a anêmona
levantam seus doces raios
enlaçando o carvalho
e a cicuta.

Pequenos olhos de amêndoa,
é o amanhecer,
e estou cantando para ti
nossa canção de água:

As estrelas deixaram
sua longa
fragrância
e aqui estamos, amor,
fora do jardim ocidental,
embora o céu
esteja juncado de azul
em seu primeiro giro de luz.

A verde sarça sobe
agarrada ao loureiro,
e meu ereto coração de pederneira
arde
– madeira podre –
junto aos teus seios, marmelos floridos
sob meus lábios,
codornizes
ocultas
no matagal.

O dia inteiro
nossos corpos escondidos
queimam como opala
arde
dentro da terra,
um facho de beijos
que o irritado calor
do sol não toca.

E quando a tarde
abre
a sua boca fria
e o vento
sopra em espiral
dentro do bosque
e dentro dos amantes
que se abraçariam,
entrelaçamos nossos ramos
e raízes,
nossas línguas
e nosso sangue
e
interminável e ubíqua
estrela de cinco pétalas
a noite inteira
queimamos para eles
a nossa carne
mais candente.

Referência:

KEYS, Kerry Shawn. Outside the western gate / Fora do jardim ocidental. Tradução de Lêdo Ivo. In: KEYS, Kerry Shawn (Ed.). Quingumbo: new north american poetry / nova poesia norte-americana. Antologia bilíngue. São Paulo, SP: Escrita, 1980. Em inglês: p. 268; em português: p. 269.

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