Gibran discorre, ao modo do Apóstolo Paulo na Primeira Epístola
endereçada aos Coríntios, sobre esse sentimento do qual muito se fala, mas
pouco se exercita, reduzindo-o amplamente ao sexo, a um sentido de posse do(a)
amado(a) pelo(a) amante que intoxica a relação, anula um dos parceiros e acaba
por levar à derrocada da união.
O texto recorre a metáforas e, em determinados pontos, quase não permite
paráfrases, pois há suficiência no que busca transmitir, em face de que se
trata de uma composição não elusiva, favorecendo a receptividade por parte do
leitor. Veja-se: “O amor nada dá, além de si mesmo, e nada tira, senão de si
mesmo. O amor não possui nem quer ser possuído, pois o amor é suficiente ao
amor”. Sob tais parâmetros, saberíamos ou não, com mais exatidão, se o que
sentimos por outrem é um autêntico amor ou um jogo de interesses, de
dependência doentia?!
J.A.R. – H.C.
Khalil Gibran
(1883-1931)
Sobre o Amor
Então, Almitra [uma
vidente] pediu: “Fale-nos do Amor”. Ele [Almustafa] ergueu a cabeça, olhou para
a multidão, acima da qual caiu um profundo silêncio. E com uma forte voz disse:
Quando o amor
chamá-los, sigam-no. Embora os caminhos que ele percorre sejam difíceis e
íngremes. E quando com as asas envolvê-los, submetam-se a ele, mesmo que ele
possa feri-los com a espada oculta que traz entre as asas. E quando ele falar
com vocês, creiam nele. Mesmo que sua voz possa destruir-lhes os sonhos, como o
vento do norte devasta o jardim.
Pois assim como o
amor coroa-os, também haverá de crucificá-los. Assim como é para o crescimento
de vocês, também é para a limitação. Ainda que os acenda às alturas e acaricie
os ramos mais tenros que tremulam ao sol, também haverá de descer até suas raízes
e sacudi-las ao se arraigarem na terra. Como feixes de trigo, o amor une-os em
si mesmo. Debulha e separa-lhes os grãos para deixá-los expostos. Peneira-os
para livrá-los das cascas. Mói-os até a brancura. Mistura-os até torná-los
maleáveis. Em seguida, designa-os ao seu fogo sagrado, a fim de que vocês
possam transformar-se no pão para o sagrado banquete de Deus.
Tudo isso o amor
haverá de fazer até que cada um consiga conhecer os segredos do seu próprio
coração, e com esse conhecimento tornar-se um fragmento do coração da Vida. Mas
se, temerosos, buscarem apenas a paz e o prazer do amor, é melhor que lhes
cubram a nudez e saiam do limiar da eira do amor. E entrem no mundo sem
estações onde irão rir, mas não todos os seus risos, e chorar, mas não todas as
suas lágrimas.
O amor nada dá, além
de si mesmo, e nada tira, senão de si mesmo. O amor não possui nem quer ser
possuído, pois o amor é suficiente ao amor.
Quando vocês amam,
não devem dizer: “Deus está em meu coração”, mas, em vez disso, “Eu estou no
coração de Deus”. E não pensem que podem dirigir o curso do amor, pois este, se
lhes julgar dignos, dirige o curso que seguirão.
O amor não tem outro
desejo senão o de realizar-se. Mas se vocês amam, e as necessidades devem ter
desejos, que esses assim sejam: fundir-se e ser como um riacho a fluir cantando
sua melodia para a noite. Conhecer a dor de demasiada ternura. Ser ferido pela
própria compreensão que têm do amor; e sangrar de bom grado e contentes.
Despertar ao amanhecer com um coração alado e dar graças por mais um dia de
amor; repousar ao meio-dia e meditar sobre o êxtase do amor; retornar ao lar
com gratidão ao entardecer; e, em seguida, dormir com uma prece no coração para
os amados e nos lábios um canto de louvor.
A Poetisa
(Fritz Zuber-Bühler:
pintor suíço)
Referência:
GIBRAN, Khalil. Sobre o amor. Tradução
de Alda Porto. In: __________. O profeta.
Tradução de Alda Porto. São Paulo, SP: Martin Claret, 2013. p. 17-19. (Coleção
‘A obra-prima de cada autor’; v. 165)
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