Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Khalil Gibran - Sobre o Amor

Gibran discorre, ao modo do Apóstolo Paulo na Primeira Epístola endereçada aos Coríntios, sobre esse sentimento do qual muito se fala, mas pouco se exercita, reduzindo-o amplamente ao sexo, a um sentido de posse do(a) amado(a) pelo(a) amante que intoxica a relação, anula um dos parceiros e acaba por levar à derrocada da união.

O texto recorre a metáforas e, em determinados pontos, quase não permite paráfrases, pois há suficiência no que busca transmitir, em face de que se trata de uma composição não elusiva, favorecendo a receptividade por parte do leitor. Veja-se: “O amor nada dá, além de si mesmo, e nada tira, senão de si mesmo. O amor não possui nem quer ser possuído, pois o amor é suficiente ao amor”. Sob tais parâmetros, saberíamos ou não, com mais exatidão, se o que sentimos por outrem é um autêntico amor ou um jogo de interesses, de dependência doentia?!

J.A.R. – H.C.

Khalil Gibran
(1883-1931)

Sobre o Amor

Então, Almitra [uma vidente] pediu: “Fale-nos do Amor”. Ele [Almustafa] ergueu a cabeça, olhou para a multidão, acima da qual caiu um profundo silêncio. E com uma forte voz disse:

Quando o amor chamá-los, sigam-no. Embora os caminhos que ele percorre sejam difíceis e íngremes. E quando com as asas envolvê-los, submetam-se a ele, mesmo que ele possa feri-los com a espada oculta que traz entre as asas. E quando ele falar com vocês, creiam nele. Mesmo que sua voz possa destruir-lhes os sonhos, como o vento do norte devasta o jardim.

Pois assim como o amor coroa-os, também haverá de crucificá-los. Assim como é para o crescimento de vocês, também é para a limitação. Ainda que os acenda às alturas e acaricie os ramos mais tenros que tremulam ao sol, também haverá de descer até suas raízes e sacudi-las ao se arraigarem na terra. Como feixes de trigo, o amor une-os em si mesmo. Debulha e separa-lhes os grãos para deixá-los expostos. Peneira-os para livrá-los das cascas. Mói-os até a brancura. Mistura-os até torná-los maleáveis. Em seguida, designa-os ao seu fogo sagrado, a fim de que vocês possam transformar-se no pão para o sagrado banquete de Deus.

Tudo isso o amor haverá de fazer até que cada um consiga conhecer os segredos do seu próprio coração, e com esse conhecimento tornar-se um fragmento do coração da Vida. Mas se, temerosos, buscarem apenas a paz e o prazer do amor, é melhor que lhes cubram a nudez e saiam do limiar da eira do amor. E entrem no mundo sem estações onde irão rir, mas não todos os seus risos, e chorar, mas não todas as suas lágrimas.

O amor nada dá, além de si mesmo, e nada tira, senão de si mesmo. O amor não possui nem quer ser possuído, pois o amor é suficiente ao amor.

Quando vocês amam, não devem dizer: “Deus está em meu coração”, mas, em vez disso, “Eu estou no coração de Deus”. E não pensem que podem dirigir o curso do amor, pois este, se lhes julgar dignos, dirige o curso que seguirão.

O amor não tem outro desejo senão o de realizar-se. Mas se vocês amam, e as necessidades devem ter desejos, que esses assim sejam: fundir-se e ser como um riacho a fluir cantando sua melodia para a noite. Conhecer a dor de demasiada ternura. Ser ferido pela própria compreensão que têm do amor; e sangrar de bom grado e contentes. Despertar ao amanhecer com um coração alado e dar graças por mais um dia de amor; repousar ao meio-dia e meditar sobre o êxtase do amor; retornar ao lar com gratidão ao entardecer; e, em seguida, dormir com uma prece no coração para os amados e nos lábios um canto de louvor.

A Poetisa
(Fritz Zuber-Bühler: pintor suíço)

Referência:

GIBRAN, Khalil. Sobre o amor. Tradução de Alda Porto. In: __________. O profeta. Tradução de Alda Porto. São Paulo, SP: Martin Claret, 2013. p. 17-19. (Coleção ‘A obra-prima de cada autor’; v. 165)

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